Até ao último ucraniano?

Até ao último ucraniano?

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Vamos ver se nos entendemos. Putin não é comunista, nem a URSS o era, pelo menos desde 1927 quando a comissão de trabalhadores, órgão mais importante das fábricas, foi substituída pelo chefe da polícia política como o lugar de autoridade. Se fosse comunista, porém, eu seria contra a invasão porque não acredito em comunismo que invade outro país, nem em liberdades levadas pela força das armas – por isso sou pela saída de Portugal da NATO e contra a invasão da Ucrânia. Há extrema-direita na Rússia, sim. E a invasão tem que ser parada, mas como? Não é com bombas nucleares certamente.

Armas, armas, armas, é a única coisa que a delicada líder da UE tem a oferecer, convocando uma resistência massiva mítica nacional inexistente que até agora somou derrotas, cidades destruídas, mortos, refugiados e uma queda de 45% do PIB (sim, esse é o estado da economia ucraniana, apesar de só se falar do impacto da guerra na economia russa, a completa devastação económica chegou à Ucrânia, que depois disto vai endividar-se ainda mais para a reconstrução). Se a preocupação da UE são os crimes de guerra (toda a guerra é um crime), porque estes são cometidos todos os dias na Palestina, no Iémen, em Cabo Delgado, na Nigéria, sem uma nota de rodapé da UE? Um comunicado que seja? Corpos a boiar de civis todos os dias chegam às margens do Mediterrâneo. Chamam-lhe “imigrantes ilegais”. Fogem da Nigéria e do Iémen. E da Síria.

Tudo isto é verdade, é a barbárie. Mas nada disto escamoteia uma verdade – o Estado ucraniano e o polaco, não os ucranianos como um todo, é o principal centro de reorganização da extrema-direita na Europa. E a UE descaradamente está a branquear o fascismo, ao mesmo tempo que se diz apreensiva com Le Pen. Zellensky discursou no Parlamento grego a semana passada ao lado de um neonazi. Chamou-o para o seu discurso. E isso não é um pequeno grupo chamado batalhão Azov, nem se espelha nas eleições. São lugares no topo da hierarquia militar, do topo do aparelho de Estado portanto, com acesso a armas. Quando estes criminosos vierem com armas para perseguir sindicalistas e líderes de esquerda o que vão dizer aqui na UE? Que são “terroristas”, não “temos culpa”?

Porque não há uma resistência massiva progressista e democrática na Ucrânia e não se vê desde o início da guerra nenhum sinal de resistência popular ( a que existe é de Estado e de milícias)? Porque os sindicatos, partidos de esquerda, e a imigração pela pobreza e a corrupção, e a perseguição de extrema-direita, calaram e desmotivaram uma potencial resistência dos trabalhadores. Um povo de 40 milhões e viver lá e não há tomadas de posição de sindicatos, associações, partidos de esquerda, ou democráticos. Pelo contrário muitos foram por Zellensky silenciados.

Dito isto: o que há a fazer? Medir a relação de forças em vez de mandar um povo para o exílio enquanto as casas estão a ser destruídas. Há que parar a guerra, ceder, assumir que é uma derrota (não falar em falsas vitórias), e organizar a resistência. Juntar sindicatos russos e ucranianos contra os seus governos, antidemocráticos e corruptos (segundo todos os índices internacionais oficiais).

Gostam de comparar a invasão da Ucrânia com a da França por Hitler. Porque hoje se desconhece a história, mas não se teme falar do que não se sabe. É incomparável e absurda, independentemente da avaliação moral ou psiquiátrica dos líderes em causa (não é a minha área, mas estou convencida que há menos loucos do que se imagina). Mas o que fez a França? Aceitaram a derrota, e foram reorganizar a resistência de fora, na clandestinidade, não ficaram a ver as suas casas em ruínas, as pessoas a morrer. A UE não para esta guerra porque não quer e sobretudo porque não pode porque não tem poder dentro da sua lógica de embate entre Estados. Primeiro, quem tem real poder para parar esta guerra são os EUA e a China. Até lá, no Ocidente, respeitando a sociedade da aparência como construção hegemónica de poder, uma delicada dama à frente da UE (von der Leyen) e um velhinho ternurento frágil (Biden) – ambos com longo historial de política de guerra (Kosovo, Líbia, etc), ela via partido conservador alemão, ele na ala direita dos democratas nos EUA, ambos neoliberais assumidos, anunciam a defesa de mulheres e crianças, e enviam armas e anunciam mais armas, armas, armas, até quando? Até ao último ucraniano?

(em atualização)

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Categorias: Crónica, Guerra

Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

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