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Há nacionalismos de todas as cores e a história está cheia de homens (e mulheres) providenciais com muitos jeitos e feitios. Independentemente da forma, não gosto nem de uns nem de outros.
Vejo o nacionalismo como uma continuação do fundamentalismo e proselitismo religioso por outros meios. Nem por isso com distinto fim. A religião gera homens santos e mártires; o nacionalismo gera heróis e homens providenciais. Na verdade, em ambos os casos se engendram monstros. No centro da religião está a arte de governar rebanhos, de saber prometer à ovelha que crê o acesso aos verdejantes prados celestiais. Os nacionalistas governam povos a que prometem também uma forma de eternidade: a nação é perene, precede-nos e sobrevive-nos, o que nos dá a responsabilidade de não quebrarmos o elo da infinita cadeia de que somos parte. Se a ovelha se molda pela fé, o cidadão molda-se pela história e pela língua, afinal pela fantasia de ser parte de uma terra que na verdade pertence a outros mas que ele deve defender, se necessário sacrificando a vida.
Entre a obediência do rebanho e a cegueira do nacionalismo
As religiões construíram uma espécie de forja das almas, onde estas são aquecidas e marteladas até se ajustarem à forma pretendida. As nações herdaram essa forja, ajustaram os instrumentos e continuam o incessante martelar. Já não somos moldados pelo Rosário e pela Penitência. Em seu lugar ensinam-nos o valor do patriotismo e a honra de nos sacrificarmos em seu nome. Mais que fazer de nós santos ou heróis, a religião e o nacionalismo almejam a obediência. Também nisso não se distinguem. Os papéis de santo e de herói estão reservados a quem pode servir de exemplo, não exatamente para ser imitado mas para ser de tal forma admirado que todas as nossas ações sejam uma confirmação dos seus atos. Há quem morra na cruz por nós, e nós devemos admirar esse supremo sacrifício obedecendo às ideias que condenaram o mártir. Do mesmo modo, há heróis ou homens providenciais que proclamam sacrificar-se pela pátria, exemplos que nos dizem que devemos honrar e admirar incondicionalmente. Uns sacrificam-se casando com a Pátria, como Salazar, outros sacrificam-se vestindo camuflado e dispondo-se a morrer na guerra, como Zelenski. Não estou a comparar, bem entendido. Estou apenas a dizer que na nossa ânsia de encontrar um sentido claro para o que nos cerca facilmente caímos na obediência do rebanho ou na cegueira do nacionalismo.
Guerra para redesenhar pertenças em nome de um império
As terras que hoje constituem a Ucrânia são atravessadas por muita história, conheceram inúmeros donos e senhores, e delas sempre se alimentaram as pessoas comuns, exatamente aquelas que agora sofrem a inaceitável agressão imperialista russa. Rebanhos de crentes ou multidões de cidadãos são pouco importantes para quem tem o poder e o exerce. Massas anónimas e inocentes que são sempre as primeiras a sentir, conforme a época, a metralha ou o afiado gume do sabre. Do que agora se trata é de bombas. Mais um massacre, a juntar a tantos outros, que visa redesenhar pertenças. Desta vez a agressão está a ser feita em nome de um império sonhado que só tem gerado pesadelos, comandada por um homem que a si mesmo se vê como czar de um povo obediente. Não deve haver nenhum «mas» na condenação desta agressão, tal como não deveria ter havido noutras situações. Ver aqui uma luta entre impérios (EUA/Rússia) e tomar parte por um deles, ainda que de forma mitigada (como fez o PCP) é apenas estúpido. Achar que o nacionalismo ucraniano transporta consigo a paz é apenas ingénuo. É, uma vez mais, seguirmos heróis e acreditarmos em homens providenciais, não sermos capazes de sair dessa forja onde somos moldados para dar continuidade às inúmeras gerações de peças anódinas atiradas ao fogo em tabuleiros de xadrez político que heróis, santos, mártires e homens providenciais jogam em nosso nome.
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Obs: artigo previamente publicado na página facebook de Luís Cunha, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.
Imagem: Eugene Mykulyak / Unsplash
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