Casamento de D. João I e D. Filipa de Lencastre aconteceu há 635 anos

Casamento de D. João I e D. Filipa de Lencastre aconteceu há 635 anos

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Philippa de Lancaster (vulgarmente conhecida em Portugal como Filipa de Lencastre, para onde veio por via do casamento com D. João I) pertencia à alta nobreza de Inglaterra, da Casa dos Plantagenetas. Nasceu no castelo de Leicester, em 1360, sendo a filha primogénita dos duques de Lancaster (John of Gaunt e Blanche de Lancaster). Era neta de Eduardo III de Inglaterra e irmã de Henrique IV.

Foi educada em Inglaterra (por alguém muito próxima do seu pai) e viveu a sua infância, tal como os irmãos mais novos, entre os vários castelos que possuíam, com vastas propriedades rurais e algumas residências que poderiam servir, eventualmente, de abrigo para a família e respetiva comitiva que sempre os acompanhava.

Esta mobilidade da família, a par da convivência de Philippa com as amas dos seus irmãos, filhos do casal Lancaster, bem como com todo um vasto séquito, detentor duma cultura relevante, são aspetos que trouxeram a Philippa, desde muito cedo, um acréscimo substancial de conhecimentos. Sabia ler e escrever, aprendeu latim para poder ler os livros litúrgicos, assimilou as orações religiosas com a sua mãe, ouvia os músicos da sua casa senhorial e participava em todas as atividades culturais que se desenrolavam pelos diferentes espaços onde viveu.

Durante vários anos, o duque John of Gaunt desenvolveu negociações com outras casas reais e nobres para que a sua filha Philippa encontrasse um marido à altura da sua hierarquia social. A verdade é que esta demonstrava qualidades únicas que lhe permitiam entender e analisar, com toda a perícia, situações que estavam reservadas somente aos homens.

Foi na sequência do Tratado de Windsor, assinado em 1386, entre Portugal (D. João I) e o rei de Inglaterra (Ricardo II) que os dois países se comprometeram a manter uma amizade perpétua e uma assistência mútua e que, também, como reforço desse acordo se estipulou o casamento entre o monarca português e a filha do Duque de Lancaster, John of Gaunt, uma prática secular comum.

Assim, foi concedida a D. João I a mão de Philippa de Lancaster. Esta aliança diplomática, a mais antiga do mundo proporcionou, desta forma, o casamento entre o rei português e fundador da dinastia de Avis e a inglesa, Philippa de Lancaster.

Apesar de serem tempo bem rigorosos e com regras rígidas e com grande temor a Deus, João e Philippa, como seres bem formados e sensíveis, sentiram necessidade de se conhecerem antes da assinatura do contrato de casamento. Assim e usando uma pequena artimanha, foi combinado em segredo, que o encontro seria em território neutro.

A Galiza foi o local escolhido e o mosteiro de Celanova teve o privilégio de ser testemunha desse acontecimento peculiar. De modo a não ser notada, Philippa chega uns dias antes e isola-se numa cela da pequena igreja de S. Miguel. O seu confessionário registou estes dias como uma intensa experiência mística e uma enorme partilha de conhecimentos.

O dia chegou e os noivos viram-se, por breves momentos, num ambiente insuspeito, abençoados pelos religiosos que sentiram um sentimento maior a nascer. Tanto quanto se sabe este amor nunca esmoreceu e deu vários frutos que escreveram páginas gloriosas de Portugal.

Se a palavra clandestinidade não existia na altura, estes dois protagonistas terão sido, muito provavelmente, mentores da mesma. A separação foi dolorosa mas seria por uma dias pois o casamento, a união real, estava bem próximo.

Philippa chegou ao Porto na segunda semana de Novembro de 1386, acompanhada por um numeroso séquito de nobres ingleses e portugueses que a conduziram ao Paço do Bispo, onde ficou instalada. O rei chegou dias depois, alojando-se no convento de S. Francisco, para conhecer a jovem loura, de olhos claros, recatada, prudente e austera, que haveria de ser a mulher com quem iria viver, durante 28 anos.

Neste primeiro encontro e, na presença do bispo, trocaram presentes: relicários em ouro, guarnecidos de pedras preciosas.

A receção foi com pompa e circunstância mas o povo não a aceitou de bom grado. Uma mulher de cabelos cor de oiro e de olhos azuis só podia significar bruxaria ou um mau presságio. Feia, era o comentário que mais se ouvia. Muito feia, não serve para um rei.

Depois, D. João I seguiu para Guimarães, ficando D. Filipa três meses, na cidade do Porto, à espera do casamento que só se realizou, em Fevereiro de 1387, na Sé do Porto, tendo D. Filipa 27 anos e o rei português, 30 anos.

O casamento foi realizado no dia 2 de Fevereiro de 1387 mas a consumação do mesmo só ocorreu no dia 14 de Fevereiro. Compromissos inadiáveis obrigaram D. João I a estar ausente da sua esposa que o aguardava, pacientemente, numa cidade estranha e que não a estimava.

A cidade preparou-se para o casamento real e para receber os muitos convidados esperados, promovendo obras vultuosas que trouxeram alterações urbanísticas e com iniciativas populares, quando o povo, cheio de brio e por iniciativa própria, cobriu as ruas poeirentas e sujas de «desvairadas verduras e cheiros» que, além de servirem de ornamento, também atenuavam o fedor característico das cidades medievais, sem esgotos ou regras de higiene.

Fernão Lopes, na “Crónica de D. João I”, dá-nos “notícia” do dia do enlace matrimonial, explicando que os noivos saíram do Paço Episcopal, cada um montado num cavalo branco, cavalgando lado a lado. Iam ricamente vestidos, tendo nas cabeças coroas de ouro, trabalhadas com pedras preciosas e pérolas. A abrir o cortejo, iam homens com pipas e trombetas e outros instrumentos improvisados que produziam um enorme alarido.

A seguir iam as donas e as donzelas da cidade, entoando cânticos. Por todo o lado, por onde passava o cortejo nupcial, o povo acotovelava-se na ânsia de poder ver os nubentes. Chegados à Sé, foram recebidos por D. Rodrigo, bispo da cidade, que procedeu à cerimónia de casamento. Após este ato, o rei e D. Filipa, agora já rainha, recolheram ao paço episcopal para saírem depois para o banquete, o qual foi partilhado com o povo, que se regozijava com tantos festejos e abastança de manjares e iguarias.

Filipa de Lencastre voltou outras vezes ao Porto, sendo sempre festejada a sua presença, na urbe. Decorria o ano de 1394 e D. João I estava já há uns meses na cidade, quando D. Filipa veio juntar-se ao marido, estando já perto do final da sua quinta gravidez. Permaneceu na cidade mais de 9 meses, após o nascimento deste filho.

Calcula-se que foi com uma certa emoção que voltou a ver o burgo que a acolhera quando, pela primeira vez, pisou terra portuguesa, depois de deixar a sua Inglaterra natal. A população voltava agora a saudá-la, mal atravessara as portas da cidade e entrava no burgo muralhado. Entrava agora, mais segura de si, mais madura. Já não era a tímida Phillipa, mas a Filipa, a rainha de Portugal que vinha grávida do seu quinto filho – nascia, no Porto, o Infante D. Henrique, a 4 de Março de 1394 e no Porto também foi batizado, na Sé, alguns dias depois do seu nascimento, talvez a 8 do mesmo mês.


Imagem: Jean de Wavrin


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Categorias: Cultura, História

Acerca do Autor

Margarida Vale

Deram-me o nome de Margarida e, sem terem essa intenção, fiquei ligada à terra e aos seus modos. Margarida do Vale. Mistura de culturas que se sabem entrosar, entre o sul e as ilhas, assim cresci entre gente culta e estudiosa e pessoas simples que sabiam o valor da labuta diária. Sou uma amálgama de tudo e de vontades, por isso, a mente que me foi dada é irrequieta. Já tive várias profissões e agora estacionei no ensino. Que existe de melhor do que estar com gente jovem, com pequenos diamantes que precisam de ser lapidados e polidos? Os desafios são enormes mas a recompensa é bem maior. O crescimento é recíproco e salutar. A História é uma paixão, assim como a escrita, que esteve parada durante uns anos e cuja gaveta foi reaberta sem data para encerrar. O passado coletivo é a nossa herança e não pode ficar esquecido. para tal existem as letras que lhe tentam fazer justiça e testemunho. Afinal de que somos feitos? De sonhos e de quereres e ainda de várias vidas que se vão vivendo conforme os obstáculos vão surgindo e necessitam de ser ultrapassados. Viver é uma arte que se renova e que encanta. Talvez seja por isso que o Tejo me acompanha e vivo bem perto dele e do local onde os barcos foram feitos para zarparem e descobrirem novos mundos.

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