‘O Alegre Canto da Perdiz’ antecipa futuro de esperança para Moçambique
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Vinda do Gilé, um dos distritos da Zambézia, província do centro de Moçambique, os meus dedos agarraram por acaso, na estante da casa em Maputo da minha amiga Zita, este livro de Paulina Chiziane. Autora que já conhecia de outros livros, ao começar a leitura de O Alegre Canto da Perdiz senti que afinal ainda estava na Zambézia, entre aquelas mulheres sofridas e lutadoras com quem tive a oportunidade de conviver nas terras distantes e esquecidas do Gilé.
É um livro marcante, com trechos que é preciso ler devagar, saborear, anotar, voltar atrás. Poesia pura. Complexo, aborda temas muito vastos: a colonização, o racismo, a assimilação, a traição, a ambição de ter uma vida melhor mesmo que isso seja a destruição dos outros e/ou a autodestruição, a guerra de libertação, os conflitos entre raças e entre sexos. As contradições da vida, o remorso, o arrependimento, o reencontro e a reconciliação.
É a exaltação da Natureza, a exaltação da Zambézia e dos Montes Namuli origem da humanidade, a terra dos palmares e do canto da perdiz logo pela manhã (gurué, gurué). A exaltação da(s) Mulher(es), da sua diversidade, dos corpos, da sexualidade, das suas lutas, das violências que sofrem e que infligem, da sobrevivência.
Colonialismo permanece mesmo após independência de Moçambique
As histórias daquelas mulheres – Serafina, Delfina, Maria das Dores e Maria Jacinta – são pretexto para falar do estatuto das mulheres na sociedade, do seu papel e da permanência das violências qualquer que seja o regime em que tenham vivido. E para os homens também – José dos Montes, Simba, Moyo – o sonho da liberdade é uma miragem, porque a independência não é o fim do colonialismo. “Nessa independência que sonhamos o mundo não será o mesmo. Libertaremos a terra, sim, mas jamais seremos senhores… O colonialismo habitará a nossa mente e o nosso ventre e a liberdade será apenas um sonho.”
Futuro de esperança poética em azul e verde
No entanto, e mesmo ao chegarmos ao fim deste romance que é também uma pincelada da história do povo moçambicano ao longo dos séculos, a autora quis-nos deixar um sinal de esperança no futuro, quando José dos Montes – o sipaio assimilado que matou sem remorso – diz à sua mulher Delfina – que por ambição se prostituiu e prostituiu a filha-criança: “No final desta guerra seremos um. Esses filhos metade pretos, metade brancos, metade asiáticos, serão os fósseis a partir dos quais se compreenderá a nossa História. Nas próximas gerações as raças se amarão, sem ódio nem raivas, inspiradas no nosso exemplo. A humanidade aventureira conquistará outras estações celestes com gente azul e verde. Terá chegado o momento de inventar novas raças e recriar novas humanidades. Os pretos, os brancos e seus mulatos deverão expurgar ódios, raivas e ressentimentos que ainda restem.”
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