A democracia, o normal e os ‘homens de bem’

A democracia, o normal e os ‘homens de bem’

Pub

 

 

Karl Marx defendeu que a tendência do capitalismo era a supressão da democracia.

Por várias razões, nenhuma delas devido à “maldade” ou “ganância” dos seus actores, proprietários de fábricas, bancos, meios de transporte e comunicação. Era irrelevante se um capitalista era um “homem de bem”, porque a questão não podia ser olhada ao nível do indivíduo. Marx via o capitalismo como um factor de progresso face aos modos de produção anteriores, como o feudal – ao libertar a sociedade dos privilégios dos senhores e os trabalhadores da terra, a burguesia revolucionária impulsionou como nunca o desenvolvimento das forças produtivas. Não se compara a capacidade de produção de uma enxada com um trator, de uma fábrica com trabalho domiciliar de autossubsistência. Porém, a tendência inevitável do capitalismo era para o bloqueio deste desenvolvimento e para a consequente bonapartização dos Estados. Desde logo porque nas empresas e nas fábricas nunca houve democracia, a não ser em épocas revolucionárias. A democracia para à porta do Trabalho. Logo o lugar mais importante – porque é o que dá o sentido da vida -, para a exercer. Segundo, porque todo o desenho democrático da sociedade se deve ao movimento operário que em décadas de protestos, greves e revoluções conquistou o direito ao voto, reunião, associação, liberdade de expressão.

Há um rio de mortos atrás dos nossos direitos. Não foi a força civilizadora da burguesia, mas a sua derrota aqui e ali, pelo movimento operário (trabalhadores organizados) que nos legaram direitos que hoje temos por adquiridos. Porém, Marx referia outra razão – a democracia não seria o normal na história do capitalismo, direitos não eram “adquiridos”, porque a concorrência seria progressivamente eliminada à medida que o modo de produção se desenvolvia, dando lugar a monopólios; e o lucro progressivamente ia impedir a produção de riqueza, e destruir o principal meio de produção – os trabalhadores. Foi um modelo de desenvolvimento das forças produtivas que se transformou num modelo destrutivo das forças produtivas.

Hoje, quando olhamos as duas Guerras Mundiais, a indústria de bens desnecessários, a erosão dos serviços públicos de qualidade ou a obsolescência programada, em que o que usamos se esgota ao fim de pouco tempo (e que vem acompanhada do esgotamento, obsolescência, de quem os produz, com horários e condições de trabalho que adoecem os trabalhadores), verificamos a importância desta análise há 200 anos. Por fim, Marx sustentou que a tendência para a concentração de riqueza e ampliação da pobreza levaria a crescentes conflitos sociais, a que os Estados democráticos responderiam sendo cada vez menos democráticos, com medidas autoritárias e bonapartistas em “nome do interesse nacional”, que era a fórmula mágica da classe dirigente designar aquilo que era no fundo apenas do interesse da sua classe e dos seus herdeiros ou membros. O Bonapartismo não é a resposta de “homens maus”, é a essência normal dos “homens de bem” que comandavam o declínio do modo de produção.

1ª Página. Clique aqui e veja tudo o que temos para lhe oferecer.

VILA NOVA Online: conte connosco, nós contamos consigo.

Se chegou até aqui é porque considera válido o trabalho realizado.

Apoie a VILA NOVA. Efetue um contributo sob a forma de donativo através de netbanking, multibanco ou mbway.

NiB: 0065 0922 00017890002 91

IBAN: PT 50 0065 0922 00017890002 91 — BIC/SWIFT: BESZ PT PL

MBWay: 919983484

Paypal: pedro [email protected]

Envie-nos os seus dados fiscais. Na volta do correio, receberá o respetivo recibo.

Gratos pelo seu apoio e colaboração.

*

Publicidade | VILA NOVA: deixe aqui a sua Marca

Pub

Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

Comente este artigo

Only registered users can comment.