‘O filme de Oki’ de Hong Sang-soo e os pequenos nadas da existência
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“A vida é feita de pequenos nadas”, diz a canção. E, embora os seus “pequenos nadas” não sejam exactamente aqueles a que Sérgio Godinho se refere, o mesmo se poderia dizer dos filmes de Hong Sang-soo. Num festival de Cannes, inquirido por jornalistas sobre neles se beber muito e de muitas das suas personagens serem realizadores, respondeu dizendo que “só falo do que sei”; ou seja, de álcool e de cinema.
De facto, não é bem assim. É verdade que nos seus filmes se come e bebe muito, mas as personagens de Hong Sang-soo, conversam, sobretudo, e procuram conhecer-se e relacionar-se. Procuram um amor que desejam eterno, mas que se revela fugitivo, provavelmente inalcançável. Hong Sang-soo parece, assim, contar-nos sempre a mesma história. Com pequenas, subtis diferenças, situações e personagens repetem-se de filme para filme. O conjunto da sua obra obedece ao modo musical do “tema e variações”.
Com filmes de baixo orçamento, Hong Sang-soo apresenta filmes enxutos e muito bonitos
Trata-se de um realizador prolífico. Entre 1996 e 2021, Hong Sang-soo realizou vinte e cinco longas-metragens e três curtas. São filmes de baixo orçamento, escritos, realizados e, na sua maioria, produzidos por si. Idealmente, o último deveria financiar a próximo. O seu ponto de partida é um esboço sumário do argumento, os diálogos são muitas vezes escritos pouco antes das filmagens e estas admitem facilmente o improviso. O resultado final são filmes enxutos, algo palavrosos – e muito bonitos.
O Filme de Oki cruza personagens com potenciais alter-egos
O Filme de Oki é um filme sobre a vida e os amores de uma jovem estudante que faz um filme sobre a vida e os amores de uma jovem como ela. Mas isso só nos é revelado no quarto e último episódio – que se chama também “O filme de Oki”, cujas figuras encarnadas por três personagens – Song, Oki e Jingu – conhecíamos já dos episódios anteriores. Nele, a protagonista, em voz off, conta-nos a sua história. Song hesita entre o amor de Oki, um “homem velho”, professor de cinema, e o amor de Jingu, um “homem novo”, estudante como ela. Entretanto, vai alimentando uma relação com os dois.
O primeiro episódio – “Um dia de encantamento” – serve-nos de introdução. O protagonista é Jingu, jovem realizador e professor assistente numa escola de cinema. Inseguro, mas tentando esconder a sua fragilidade sob uma aparente arrogância, interroga-se sobre a fidelidade da sua mulher, sobre a honestidade do seu antigo tutor, sobre a valia do seu trabalho.
Na sala semi-deserta onde apresenta a sua última obra, uma curta-metragem, a moderadora questiona-o: “O seu filme tem muitas histórias. Que mensagem quis transmitir?” A resposta de Jingu poderia ter sido dada por Hong Sang-soo: “Eu só fiz o filme, não tinha nenhum tema em mente. O meu cinema é similar ao processo de conhecer pessoas, mas é menos complicado do que as pessoas. Conhecemos alguém e ficamos com uma impressão, fazendo um juízo baseado nessa impressão. Mas, no dia seguinte, voltando a ver essa pessoa, não poderá dar-se o caso de notarmos outros aspectos distintos e ajuizarmos a partir deles?”.
A única pergunta que se segue é a de uma aluna que o acusa de ser responsável pelas consequências desastrosas de uma aventura amorosa. Na sua opinião, a questão é pertinente porque o filme de Jingu é apenas e só sobre a sua pessoa.
No segundo episódio, “O rei dos beijos”, voltamos a encontrar Jingu, ainda estudante, e ficamos a saber da sua paixão por Oki, uma colega, possivelmente, amante do professor Song.
No terceiro episódio, “Depois da tempestade de neve”, encontramos Song que, perante uma sala vazia – todos os alunos faltaram à sua aula, humilhado, reflete sobre a hipótese de se demitir. Mais tarde, chegam Oki e Jingu que lhe colocam uma série de perguntas incómodas às quais apenas consegue responder com evasivas. Sabemos que Hong Sang-soo foi professor nessa mesma escola. Até que ponto não será Song um seu alter-ego?
‘Pompa e circunstância’ amplificam pequenos e grandes dramas da existência
No cinema de Hong Sang-soo, a arte e a vida enredam-se num novelo difícil de desembaraçar. Afinal, não será o cinema apenas uma forma de, com “pompa e circunstância”, nos dar a ver, amplificados, os pequenos e grandes dramas da nossa existência? Só por um exercício de auto-ironia se compreende que cada um dos quatro episódios de O Filme de Oki, sejam anunciados pelos acordes da Marcha de Elgar.
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Obs: artigo previamente publicado em Luckyy Star – Cineclube de Braga, onde o filme foi exibido a 8 de Junho de 2021, tendo sofrido ligeiras adequações editoriais na presente edição.
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