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Imaginemos uma árvore. Nasce da semente que ganha forma pelos nutrientes absorvidos através das raízes. A árvore permite-nos observar apenas o que a olho nu é humanamente possível, no entanto, não descuramos o quão profundo podem ir as suas raízes e que diretrizes podem seguir.
O paralelismo que a natureza nos oferece é feito pela assincronia que completamos para valorizar e quantificar uma árvore, passando maioritariamente por lhe atribuir um valor capital.
Atualmente, vejo os representantes da Município da Trofa a optarem por construir castelos sob galhos secos. Assistimos à aposta no que é a mercadoria, a troca direta para efeitos contratuais e de propaganda. Não sendo novidade afirmar que uma sociedade não se constrói sem Cultura, é exatamente aqui que se situam os galhos secos no pensamento social e político dos governantes da Trofa. Chamemos-lhe a moldura valorativa da Trofa, que tão bem fica a quem não quer ver.
A escassez da Cultura, Educação e valores parece artificial. A voz, a escrita e a ação é tomada por certa e por um paradigma hegemónico que pouco desafia o estado social atual e muito menos serve às necessidades da liberdade artística.
É preciso mudar
É agora a vez de um novo paradigma, novas potências e atitudes, traçadas numa nova maneira de viver e habitar, de tratar e cultivar essa mesma árvore de conhecimento e tradição.
Nutrir as pessoas na sua capacidade intelectual e educacional resulta num esplendor do cidadão autêntico, por um bem comum, num sentimento de comunhão onde as divergências políticas e religiosas devem ser sempre vencidas. Afinal de contas, somos – supostamente – um país laico.
São os princípios éticos e morais que gritam em silêncio as patologias sociais e as desigualdades que teimam em permanecer. Tomaria o texto todo para falar de liberdade, mas o que me traz aqui é a vontade de um novo ciclo, novas igualdades de oportunidades e uma nova luta intelectual e cognitiva – uma flor de lótus que desabrocha numa vanguarda pensante.
O caso dos Santeiros de S. Mamede do Coronado: capital não é sinónimo de Cultura
Pressinto que as raízes deste movimento de ecologia dos saberes da Trofa necessita de se alimentar de fontes diversas e em constante mudança – uma realidade dos dias de hoje, da velocidade tecnológica e da tendência para a instantaneidade.
O capital nunca foi sinónimo de Cultura, assim como a compra de títulos não representa Cultura. Lidamos muito recentemente com esta realidade quando foram gastos cerca de 75.000 € em votos para a vitória dos Santeiros de S. Mamede do Coronado, no concurso das 7 Maravilhas da Cultura Popular Portuguesa. Vejamos por outro prisma: no próximo ano, se outro concelho decidir investir milhares de euros para a aquisição de um título, conseguiremos lidar com o facto de acordarmos o monstro capitalista? Com que integridade é transmitida a oportunidade de cada cidadão ser autónomo nas ferramentas que escolhe?
Acredito que as memórias entrelaçadas ao dia-a-dia e de quem viveu outros tempos possa passar o seu testemunho, e permitir reconhecer o conhecimento empírico. Estamos a esquecer os mais idosos? A geração Millenium está a recomeçar de novo? As crianças já não reconhecem o cheiro da terra?
Há uma secura peculiar na Trofa desde que me lembro da sua existência, e na primeira pessoa, do imperfeito ao futuro. Falo e escrevo, numa caminhada que já passa de uma década, onde revejo o estagnar da valorização do artista.
O caso da Banda de Música da Trofa: harmonizar relações e diálogos através de sentidos ou composições
Todos sabemos que a nossa estimada Banda de Música da Trofa alberga vários músicos de reconhecimento nacional e internacional, assim como o Sr. António, que era ferreiro mas que ao sábado à noite ia tocar a sua tuba e regar a semente sonora. Formar um músico demora muitos anos, requer muito estudo, dedicação e vontade para estar integrado numa formação como uma banda filarmónica. Se seguíssemos o pensamento do atual Executivo da Trofa, compraríamos os melhores instrumentos e teríamos a melhor sala de espetáculos e os melhores fatos, no entanto, os instrumentos não tocam sozinhos. O conhecimento está nas pessoas, o poder está no conhecimento e, na música, está a capacidade de harmonizar relações e diálogos manifestados por sentidos ou composições.
Aspirar à plenitude e dignidade da Cultura
Precisamos de conjeturar a possibilidade de desenvolver um pensamento vivo, próprio e organizado em cada cidadão trofense, para que este se torne amadurecido, bem equilibrado e culto. São estas as prioridades que deveriam ser tomadas numa comunidade que ambiciona atingir um nível de reconhecimento antagónico, estampado numa História de reinvenção e de luta, ao invés da castração do pensamento e da criatividade. Só assim a Cultura pode aspirar à plenitude e dignidade do seu nome, voltando a ser o que sempre foi – uma Cultura que resiste à socialização, à programação, e à normalização.
Ainda está bem presente aquela música que tocou na rádio no dia 25 de Abril, onde todos saíram à rua, naquela sonoridade que cuidou de tornar a luta num devir comum. É agora tempo de cuidarmos das camadas sonoras que estão vigentes nas redes sociais e nos media, para que não contribuamos para o CO2 das fake news. Aproximam-se as eleições e não podemos voltar a permitir que se cometa o mesmo erro de acreditar na propaganda de elites e na resolução de problemas apenas pela mão capitalista.
O que importaria um grande livro, se não pudéssemos sequer entendê-lo? O que importaria uma grande sinfonia, se não a soubéssemos escutar? O que importaria o que vem das mãos e mente do Homem, se esse reconhecimento fosse comprado com o próprio capital dos cidadãos dessa mesma terra? É urgente chamar o povo à realidade. É preciso interessá-lo de verdade no processo social, onde ele tem o único papel que conta, instância de um saber autónomo. Sociedades mais cultas não resolvem somente a problemática com o ensino. É necessário maior igualdade social, económica e promoção de atividades culturais.
Compromisso pela mudança e renovação
Não temos mais ideias do que aquelas que nos dizem que devemos ter. Encaminhamo-nos para a pior das mortes: a morte por falta de vontade, por abdicação. Esta renúncia é também a morte da cultura.
– José Saramago –
Falarmos numa cultura de sociedade, é falarmos de valores morais, de autoconhecimento e ações ponderadas e conscientes. Hoje, essa consciência é gelatinosa e a voz gritante inorgânica, que não se sabe bem onde está e para onde vai. À falta de intervenção cívica, elegemos um partido que nos represente. Uma soberania democrática onde o poder deveria estar onde está o povo. Por outras palavras, é da voz do povo que das ações devem “tomar partido”. Quantas vezes vos questionaram ou vos deram voz no concelho onde vivem? Quantas vezes esta soberania procurou ouvir a voz do povo? Pelo contrário, quando esta voz sai à rua, é castrada e ameaçada. Porque quem está contra nunca deveria falar. É irónico que a par das festividades do 25 de Abril e do recordar da censura contra a qual lutamos, essa mesma censura esteja presente na porta ao lado. Este cerceamento causa um desassossego, uma ansiedade e um estado vegetativo do cidadão trofense. As pessoas são diminuídas e abafadas no seu papel social, resultando num concelho apático e paralisante, ainda que ilusoriamente consolador. Como diria o jornalista Daniel Oliveira, é quase como ir para um combate de boxe com luvas de pelica enquanto vamos sendo esmurrados. Talvez não queiram que o povo pense, como no antigo regime salazarista. É mais fácil quando um povo é regido somente pelo pensamento da soberania democrática. A Cultura é um gatilho na resposta aos problemas de uma sociedade.
Desenvolver a capacidade de pensar e de organizar pensamentos próprios, o direito de pensar e de ser digno, não está de mãos dadas com o nosso Presidente pela sua exaltação de poder.
É nesta cruel pedagogia do vírus que temos de tomar o compromisso da viragem e da renovação.
Há uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: é a sua consciência de que são fundamentais à vida como o pão. Podem acusá-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve uma princesa que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as não podem ver, a traição não é delas, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e incultos.
– Miguel Torga –
Na Trofa, há uma saudade de coisas que nunca foram possíveis de se fazer, assim como a escuta de sonoridades inaudíveis.
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Obs: texto original publicado na coluna 2ª Opinião, do PS Trofa, tendo sofrido sofridas adequações na presente edição.
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