‘Vencidos pela Lei’, de Jim Jarmusch, de terra da imaginação a clássico do cinema

‘Vencidos pela Lei’, de Jim Jarmusch, de terra da imaginação a clássico do cinema

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Em 2017, no âmbito do VII Encontro Anual da Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (AIM), Carlos Melo Ferreira escreveu sobre o realizador Jim Jarmusch, diretor de Vencidos pela Lei, dizendo que “o cineasta independente americano Jim Jarmusch nasceu em 22 de janeiro de 1953 em Akron, cidade industrial do Ohio, donde partiu para frequentar a New York University onde concluiu o curso de literatura e onde, depois de uma passagem frutuosa por Paris em 1975 com frequência assídua da Cinemateca Francesa que lhe permitiu conhecer os clássicos de referência do cinema mundial, estudou cinema e teve como professor o cineasta moderno Nicholas Ray, o que aguçou o seu interesse que vinha de trás pela sétima arte.”Este simples apontamento biográfico tem chamado a atenção daqueles que o têm estudado para, a partir da sua deambulação geográfica, explicar o sentimento de estranheza que desde o início, em Sempre em Férias (1980) e Para Além do Paraíso (1984), acompanha a sua obra como acompanhara antes a de Nick Ray e que tem sido dito lembra Buster Keaton, cineasta/ator do burlesco mudo. 

“Na década em que nasceu iniciou-se também, em Nova Iorque, o cinema independente americano a partir da fundação da revista Film Culture em 1955 pelos irmãos Jonas e Adolfas Mekas – com eles, o documentarista D. A. Pennebaker e o ator/realizador John Cassavetes, entre outros – no que, a partir de 1959, ficou conhecido por New American Cinema. Fora de Hollywood, ele foi contemporâneo da nouvelle vague francesa e dos cinemas novos, que só tiveram correspondente em Hollywood com a chamada Nova Hollywood que, a partir dos anos 70, a fez renascer das cinzas em que tinha ardido no início dos anos 60. (Rigorosamente, desde o tempo do cinema mudo, havia produtoras independentes e, pelo menos desde a década de 40 do século XX, que havia cinema independente nos Estados Unidos, mas sem continuidade.)”

Em entrevista ao The New York Times, em 1986, Roberto Benigni falou sobre Jarmusch e sobre como o conheceu, dizendo que “não sabíamos nada um sobre o outro. Eu nunca vi nenhum dos filmes dele. Nunca ouvi o nome Jim Jarmusch. Felizmente tenho muito sucesso em Itália. Sou comediante e também um realizador, mas Jim Jarmusch também nunca tinha ouvido falar de mim. Alguém nos apresentou e fomos juntos comer qualquer coisa. Nenhum de nós sabia falar a língua do outro, mas não sei, gostámos um do outro, percebemos. De alguma forma falámos, com os nossos corpos, com os nossos olhos. Sabemos ambos umas palavras de francês. Encontrámo-nos muito, depois disso, e nunca conseguíamos falar mesmo; mas na minha cabeça, quando me lembro, acho que estávamos a falar italiano porque comunicávamos. Sabíamos que gostávamos um do outro. Ele perguntou-me se queria trabalhar com ele. Foi a primeira vez na minha vida antes de conhecer o guião, antes de conhecer o trabalho dele, disse apenas que sim. Sabia que ele era bom. Ele é mesmo estranho e mágico e também é uma contradição, como o Pinóquio.”

Para a Criterion, por ocasião do lançamento do DVD do filme em 2012, Luc Sante escreveu que “Vencidos pela Lei, estreado em 1986, era o terceiro filme de Jim Jarmusch. Ao contrário dos seus antecessores, Sempre em Férias (1980) e Para Além do Paraíso (1984), não arrancou de uma vista semi-documental da baixa de Manhattan. Foi totalmente rodado em exteriores no Louisiana, o que, no contexto do cinema de baixo orçamento da cidade de Nova Iorque, era exótico, ainda mais que as incursões dos filmes anteriores pelos arredores abandonados de Cleveland e fosse qual fosse a extensão de autoestrada negligenciada que fazia as vezes da Flórida. Aqui, o local é anunciado e reforçado durante os créditos. Passam em revista Nova Orleães e as suas imediações, da esquerda para a direita, gravadas num preto e branco cristalino pela câmara de Robby Müller: mausoléus, varandins de ferro forjado, bairros sociais de baixa estatura, barracas em estacas. Depois disso, as cenas desenrolam-se no meio de uma arquitectura semi-tropical e nos pântanos; ouvem-se sotaques cajun e Irma Thomas a cantar, mas por todo o aroma a gumbo filé, o cenário verdadeiro não é mais o Louisiana do que o cenário de Macau é Macau. Vencidos pela Lei tem lugar na terra da imaginação, na província dos filmes.

O Jack de John Lurie, um chulo, parece vir do film noir. Ao vê-lo nos seus preparos de trabalho com fato, camisa preta, e gravata brilhante, imagina-se que nasceu algures nas bordas do enquadramento de The Big Combo de Joseph H. Lewis e conseguiu a sua cara a estudar Jean-Paul Belmondo em O Acossado de Jean-Luc Godard. O facto de Lurie ter usado exactamente as mesmas roupas no seu papel fora da tela, como líder dos Lounge Lizards, uma banda post-punk que explorou e despedaçou as convenções do jazz post-bop dos anos 50, e apareceu pelos lábios dele a tocar saxofone, importa apenas na medida em que a sua actuação era perfeita. John Lurie inventou “John Lurie,” uma figura de uma calma inatacável que, no entanto, é capaz de executar trambolhões, um bebedor de highballs e condutor de Cadillacs que recebe o correio num apartamento cheio de crude e não no Eden Roc, e que quase nem precisa de uma mudança de antecedentes para se tornar Jack.”

Jim Jarmusch regressou Lucky Star – Cineclube de Braga em Maio de 2021, com um pequeno ciclo de quatro filmes. O primeiro a ser exibido foi Vencidos pela Lei, protagonizado por Tom Waits, John Lurie e o italiano Roberto Benigni.


Jim Jarmusch, de quem o Lucky Star – Cineclube de Braga, já exibiu Homem Morto em Maio de 2017, na altura com direito a apresentação em vídeo por Nemo Librizzi, regressou ao cineclube bracarense em Maio de 2021 com um pequeno ciclo de quatro filmes. O primeiro a ser exibido foi precisamente Vencidos pela Lei, protagonizado pelos três ‘presidiários’ Tom Waits, John Lurie e o italiano Roberto Benigni.

Obs: o presente texto foi previamente publicado na página do Lucky Star – Cineclube de Braga, tendo sofrido ligeiras adequações editoriais na presente edição.


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Imagens: DR

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Categorias: Cinema, Cultura

Acerca do Autor

João Palhares

Natural do Porto, João Palhares editou os dois únicos números da revista portuguesa Cinergia, colaborando ainda com revistas estrangeiras como a italiana “La Furia Umana” ou a “Foco – Revista de Cinema”, do Brasil. Em 2015, fundou o Lucky Star com José Oliveira, cineclube em que também programa e para o qual escreve folhas de sala, colaborando ainda com traduções. Foi colaborador do site “À Pala de Walsh” entre 2012 e 2015.

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