Sócrates e a busca do equilíbrio no cumprimento das regras democráticas e do Estado de Direito
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Sócrates é ou não é culpado? E de quê? A questão será a mais pertinente neste momento?
‘Julgo ser importante que reflitamos, com toda a seriedade e toda a serenidade possíveis, sobre as questões que estão, ou deveriam estar, aqui em causa’, assinalou o jurista António Garcia Pereira, não sem antes se interrogar ‘De quem é a culpa afinal?’ sobre o que se passou com a ‘Operação Marquês’ e a aparentemente surpreendente pronúncia do juiz Ivo Rosa, que, de modo algum, é um juiz qualquer e conhecido por ser imune a pressões de qualquer tipo, sobre um processo que vai ainda numa fase intermédia.
E, de facto, assim é. Podemos olhar para este paradigmático caso e reagir a quente, como o fizeram muitos portugueses, e não apenas aqueles que, por motivos de opção ou preferência política, se limitaram a considerar uma afronta a Portugal e aos portugueses a decisão tomada por um juiz acima de toda a suspeita, ficando zangados. Nas suas mentes, só havia uma escolha e um resultado possíveis: a presumível culpa de José Sócrates. Essa indicação deveria levá-lo, e à generalidade dos demais acusados no processo, ao banco dos réus acusado de toda uma série de crimes, incluindo aquele considerado ética e publicamente mais reprovável e gravoso, o de corrupção; mas assim não foi.
Estado de Direito não pode ser usado em função de preferências ou conveniências pessoais
Sem prejuízo dos demais considerandos que o jurisconsulto teceu sobre o assunto referindo, entre outros alguns pormenores sobre o modo de funcionamento da Justiça em Portugal, afirme-se que o Estado de Direito, para o bem e para o mal, deve funcionar sempre em qualquer democracia que se preze desse nome e não apenas ser vulgarizado em função das nossas conveniências e interesses pessoais.
As culpas de Sócrates
É bem provável que Sócrates seja efetivamente culpado das acusações que lhe imputam – de algum modo colocarei as mãos no fogo pela sua pessoa, nem coloco ou clamo a sua inocência em relação à generalidade dos factos como premissa. O seu estilo de vida em nada abona a seu favor e a necessidade de encontrar culpados para o descalabro em que o país caiu, mesmo quando está definitivamente esclarecido que o descalabro se deveu em grande parte a políticas externas, é uma necessidade para muitos, compreendendo-se até, assim, a vitimização com a narrativa da cabala política que também tem a sua razão de ser. Que Ivo Rosa himself, já na fase final da sua pronúncia, não deixa de o afirmar de forma clara, acentuando os indícios existentes na sua ligação a Carlos Santos Silva, o que só por si pode deixar Sócrates em muito maus lençóis pela acusação que manteve de branqueamento de capitais, nenhuma culpa formada deve, no entanto, ser produzida com base apenas em insinuações, suposições, especulações, incoerências, fantasias. Infelizmente todos sabemos bem onde isso conduz.
Ficar reduzido a cinza ou, na pior das hipóteses, a um tição
Ao longo dos anos, de forma que se deve qualificar como inaceitável, o Ministério Público foi queimando o antigo primeiro-ministro em forno lento a seu bel-prazer com fugas cirúrgicas de informação que facilitou a determinados órgãos de comunicação social. Ainda que muitas delas se limitassem a ser frases vagas e sem conteúdo preciso, de antemão se poderia calcular o efeito nefasto que teriam na opinião pública. Esta é uma forma de julgar na praa pública reduzindo a cinzas ou, na pior das hipóteses, a um tição objeto deste tipo de denúncias. São estes factos que, juntamente com a forma como a opinião pública perceciona os referidos estilo de vida do governante e o antitético descalabro financeiro do país que motivam a acentuação das críticas de ‘julgamento político’ emitidas pelo ex-primeiro-ministro.
Uma questão essencial
Pela minha parte, em jeito de ajuda à reflexão, deixo apenas uma pergunta dirigida a todo e qualquer cidadão: gostaria de ser considerado culpado de um qualquer crime, por mais banal que ele fosse, sem base em provas, com base em provas obtidas ilegalmente ou com base em crimes ocorridos há muito tempo atrás?
Imagine que se ‘esqueceu’ de declarar determinado rendimento em sede de IRS há mais de 4 anos. O Estado, ainda que o venha saber, deixa de ter direito a cobrar-lhe o respetivo imposto se não lhe enviar a devida nota em tempo útil. A mesma coisa se passa, ou semelhante, com multas de trânsito e outras que tais, o que é do conhecimento do cidadão comum. Com os crimes, como acontece em situações bem mais graves, acontece parecido: ao fim de um determinado tempo prescrevem.
Preferência por determinado modelo de sociedade
Daquilo que entendo do processo e que tenho conhecimento, o que está em questão é o direito de inocentes, ou pessoas que entretanto ‘regularizaram’ a sua vida, a não serem condenados e presos indevidamente.
Podemos preferir ver um criminoso à solta a ver um inocente condenado; e esse é, sem dúvida, o meu entendimento de como uma sociedade equilibrada deve funcionar. Alguns dirão que é inaceitável. Pois bem! Seja. Tratar-se-á de uma questão de modelo de sociedade preferido. Pois assim seja! Mas, nesse caso, que sejam eles então os acusados e condenados e multados ou presos injustamente e não outros; afinal, parecem não se importar com tal modelo. Só que não é possível dividir o país em dois: ‘o país que eu gostaria de ter’ ou o ‘o país que tu gostarias de ter’.
Em busca constante de um equilíbrio no cumprimento das regras democráticas e do Estado de Direito
Embora todas as sociedades os busquem constantemente, este tipo de equilíbrios não é fácil nunca de encontrar. Todas as sociedades o procuram encontrar a todo o momento; e a nossa também o faz. De todo este imbróglio acabarão por sair, certamente, nova legislação mais restritiva de abusos semelhantes, nomeadamente no que se refere ao enriquecimento ilícito.
No julgamento de José Sócrates, o que está em causa não é nem pode ser julgar quais as políticas certas para o país e muito menos condenar alguém porque praticou políticas com as quais não estivemos ou não estamos de acordo. Pelo contrário, o cerne da questão reside no óbice à condenação de cidadãos eventualmente inocentes. É, no enattno, a cada um de nós e à sociedade no seu todo que compete a busca pelo referido equilíbrio, de preferência em busca de um modo que seja justo e em favor da maioria das pessoas e, em especial, dos seus mais frágeis. Felizmente, neste como noutros aspetos, ainda bem que vivemos em Portugal. Assim sendo, que tudo se cumpra no estrito cumprimento das regras democráticas e do Estado de Direito.
Imagem: An by An
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