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O consumo de amêndoas cobertas de açúcar perde-se no tempo e não é meu propósito fazer a história deste hábito aqui nesta pequena crónica. Mas pelo pouco que sei, percebe-se que esta união entre amêndoa e açúcar tem uma raiz medicinal, porque ambos os alimentos assim são considerados, pelo menos, desde a medicina hipocrática e galénica. O açúcar era considerado nutritivo e terapêutico, fazendo parte da composição de muitos medicamentos para doenças respiratórias, como tosse, catarro e asma, mas também para os intestinos (diarreias e disenterias), estômago, rins, bexiga e alívio de sintomas depressivos; a amêndoa, por sua vez, era digestiva e indicada para o coração e problemas respiratórios, como asma, tosse e rouquidão. Era também usada como calmante e útil nos espasmos, convulsões e dores de ouvidos.
Compreendemos, assim, a popularidade da amêndoa como ingrediente de um sem número de doces, mesmo sendo pouco ou nada produzida na maior parte das regiões do país. E foi esta escassez que obrigou os nortenhos a serem criativos e a criarem vários outros doces que se assemelhassem com as amêndoas. É neste contexto que surgem os confeitos, pequenos doces feitos essencialmente com açúcar. Raphael Bluteau assim no-lo diz em 1720, quando se menciona os “confeitos do Porto”. Diz ele que “são como as nossas amêndoas cobertas, mas redondos e do tamanho de medronhos (…) são todos feitos de açúcar e muito duros”. Este autor vive em Lisboa e refere-se, naturalmente, às amêndoas que eram mais comuns a Sul do que a Norte. Estes confeitos podiam ainda ser aromatizados com água de rosas, erva-doce e âmbar, tornando-se um pequeno manjar que as comunidades monásticas consumiam em tempos de festa e utilizavam na decoração dos seus doces.
Todavia, e porque a amêndoa era muito apreciada e, como vimos, medicinal, havia outras formas artificiosas de se fingir a sua presença à mesa. Carlos Bento da Maia, em 1904, apresenta-nos, ao lado de várias receitas de amêndoas cobertas com canela, chocolate, vidrado de limão e laranja, uma receita curiosa de amêndoas feitas com pedacinhos de cidrão. Esse fruto tão apreciado e tão divulgado no nosso Portugal mais antigo, que aromatizava e enriquecia qualquer doce, vem também à mesa pascal dar corpo a umas deliciosas amêndoas fingidas.
Diz-nos o autor: “Este doce recebe o nome falso que tem, por ser costume misturar com as amêndoas cobertas, bocados de cidrão também cobertos. Corta-se o cidrão em bocadinhos aproximadamente do tamanho de amêndoas, leva-se ao lume com metade do seu peso de água, limpa-se, se for necessário, e, depois, leva-se a calda a ponto de espadana; tira-se do lume, deitam-se nela os bocados de cidrão e mexe-se tudo muito bem, até que os bocados estejam quasi secos. Depois deitam-se estes bocados em pratos e separam-se uns dos outros com a possível ligeireza”.
E aqui estão elas à mesa Minhota. Uma tradição que importa recuperar! Amêndoas fingidas de cidrão!
Sabores | Numa cozinha do século XVIII com Francisco Borges Henriques
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Imagem: Bagas & Sementes
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