Confinamentos da pandemia enviaram crianças, classes trabalhadoras e velhos de alto risco para a zona de perigo

Confinamentos da pandemia enviaram crianças, classes trabalhadoras e velhos de alto risco para a zona de perigo

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A Alemanha recua no confinamento. Não recua – Angela Merkel foi forçada a recuar por uma conjugação de factores. Daqui a uns meses iremos descobrir – também em Portugal – que nunca houve ninguém a favor de confinamentos, “porque afectam muito a saúde mental e aumentam a mortalidade média abaixo dos 64 anos”.

Para parte substancial do substracto sociológico que cria hegemonia opinativa no espaço público, a política não tem princípios nem memória – tem autoridade e esquecimento. Agora que a autoridade foi forçada a recuar, segue-se em breve a mudança de princípios. Daí que o esquecimento seja um recurso central do Estado. A Alemanha está perto da Suécia, e apesar do esforço de eclipsar o país das renas que tem em Estocolmo a mesma densidade populacional de qualquer cidade europeia, os dados estão aí – nunca um comércio ou restaurante fechou, as escolas mantiveram-se abertas, não há sequer uso de máscaras, e a Suécia tem menos mortos do que a média europeia. De tal forma que nem a Finlândia nem a Noruega obrigam ao uso de máscaras ou fecham escolas.

Foram publicados, nos EUA, dados do excesso de mortalidade entre 15-64 anos. Resultados? A mortalidade das classes trabalhadoras por razões não-Covid aumentou muito. O que levou Martin Kulldorff, professor da Harvard Medical School, a esta frase lapidar: “Os confinamentos protegeram a classe dos laptop, jovens e pessoas com baixo risco, jornalistas, cientistas, professores, políticos e advogados enquanto enviaram as crianças e as classes trabalhadoras e velhos de alto risco para a zona de perigo (while throwing children, the working class and high-risk older people under the bus).

Portugal é um caso único de submissão política, em que o Estado finge que não existem 1 milhão de desempregados, cortes de salários reais nos empregados à boleia da pandemia, selvajaria sem lei nos locais de trabalho, a bomba-relógio das moratórias e uma crise de saúde mental que deixa as classes trabalhadoras e os seus filhos devastados já que nunca terão dinheiro para tratar-se a não ser com medicação.

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Categorias: Crónica, Pandemia, Sociedade

Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

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