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Quando se regressa à leitura de A Cidade das Flores de Augusto Abelaira depois de o termos feito há mais de quatro décadas pela primeira vez, percebemos se ele teve influência nessa altura das nossas vidas, se nos conseguimos identificar com o contexto ou com alguma das personagens, se, apesar da distância, permanece como objecto literário ou se é de tal forma datado que não consegue despertar interesse para quem hoje o leia, sendo jovem como na altura eu era.
Em 1961, no posfácio à segunda edição de A Cidade das Flores, Augusto Abelaira faz uma reflexão e uma série de perguntas que considerei muito relevantes. Começa assim: “A nova edição de um livro significa que esse livro não morreu”. E mais à frente: “Um livro que se reedita é um livro que se esgotou. Portanto: Quem o esgotou? Quem o leu? E porquê?” (…) “Porque leio eu um romance?” (…) “Independentemente de me ajudar a passar o tempo, a leitura dum romance multiplica em várias direcções a minha pobre vida quotidiana, permitindo-me sonhar.” (…) “Essas histórias… ajudam-me a sair de mim próprio e a descobrir o mundo.” (…) “Os romances preocupam-se com homens vulgares, mais próximos de mim, homens que vivem no meu modesto universo.” (…) “Acontece, porém, que, muitas vezes, buscamos num romance as nossas próprias vidas, as vidas confusas dos nossos irmãos, as nossas preocupações.” (…) “… Creio que A Cidade das Flores documenta qualquer coisa, a reacção de certos homens a uma praga social – o fascismo; a reacção de certos homens a uma situação social adversa.” (…) “ Homens que não crêem no futuro, ou, melhor: homens que, acreditando no futuro, não têm coragem de viver no presente esse futuro.” (…) “… tenho esperança de que, dentro de cinquenta anos, “A Cidade das Flores” já não seja lida. Significará isso que os problemas deste romance já passaram à história e que os homens deram mais um passo no caminho da justiça social.” (…) “Desejaria que A Cidade das Flores fosse entendida como um livro de quem acredita no progresso, na justiça, na paz, na possibilidade real de os homens serem todos iguais.” (…) “E no entanto, nós, cidadãos deste ano da graça de 1961, sabemos que a História, apesar de tudo, não deu razão ao pessimismo de Fazio. Sabemos que o Hitler não dominou por mil anos. Sabemos que nenhum Hitler dominará por mil anos.”
A Cidade das Flores decorre na Itália de Mussolini. Os intervenientes são jovens que vivem em Florença, mais ou menos envolvidos na resistência ao fascismo em ascensão. Augusto Abelaira da geração de escritores da oposição a Salazar a escrever no período negro da censura, transpõe neste romance para o meio cultural, social e literário português dos anos 50 uma realidade paralela, usando personagens doutro país e doutro regime ditatorial com preocupações semelhantes e com ânsias de liberdade. Logo no início do romance, Fazio observa um casal de ingleses que tiram fotografias junto à estátua de David. Enquanto se sente escravo, prisioneiro, ele inveja aqueles turistas que para ele representam a liberdade. Fazio, Soldati, Domenico, Rosabianca, Renatta, Vianello e no outro extremo Briganti adepto das ideias de Mussolini. Nas suas conversas, nos seus encontros, os grandes temas que os preocupam. O que é resistir? O que é colaborar? Até onde se consegue resistir? O que é ser incorruptível? O que é ser honesto? Pode-se ser feliz, quando há alguém que está a sofrer, que está a ser torturado, que está preso? As ideias justas triunfarão? Quanto tempo dura o amor? O que é ser livre? É possível ser-se livre?
Achei admirável reler A Cidade das Flores, identificar personagens, diálogos, situações, dúvidas com pessoas, diálogos, situações e dúvidas pessoais e de pessoas que fizeram parte da minha vida e da minha juventude. Senti este romance como intemporal, moderno e actual. No entanto, ao contrário do desejo de Abelaira, de que 50 anos depois daquela 2ª edição do romance ele já não fosse lido, a verdade é que os problemas de que fala o romance não “passaram à história”. A história e o percurso da humanidade estão longe de alcançar a justiça social e os perigos que marcaram o Século XX continuam activos e sempre à espera que a democracia baixe as suas bandeiras. Resistir é um imperativo.
‘Para Sempre’, de Vergílio Ferreira, um livro denso, triste e maravilhoso
Obs: este artigo teve publicação original no blogue Almerinda Agridoce, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.
Inaugurada primeira ligação de ferrovia elétrica entre Portugal e Espanha
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Imagem: Bertrand + DR (via AgendaLx) (ed VN)
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Natural de Abrantese residente em Amora, no Seixal. Professora aposentada, exercendo como professora de Inglês na UNISSEIXAL. Membro da Mesa da Assembleia Geral do SPGL, colabora regularmente no Escola Informação e no site do SPGL.
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