Primeiros sinais de violência no namoro

Primeiros sinais de violência no namoro

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Quais são aqueles primeiros sinais que permitem perceber que a relação (namoro, casamento, união de facto…) é tóxica? Quase todos os dias, esta pergunta é-me colocada. E, normalmente, quando esta pergunta me é feita, aciona-se de imediato um sinal de alerta.

Então, como é que afinal sabemos se estamos a viver ou não um relacionamento abusivo ou tóxico?

Acho que podemos começar por perceber que se por um lado a relação interpessoal romântica se configura como o local de conforto do casal, por outro, torna-se, também, um lugar de confronto para nós mesmos – lugar onde assumimos as nossas inseguranças, fragilidades e vulnerabilidades. Nestes dois lugares, que acaba por ser um só, compreendemos quais os nossos critérios, quais os nossos internos mal trabalhados e em que ponto está a nossa autoestima.

Está algo errado na minha paixão?

Importa partir do pressuposto de que todos nos apaixonamos – uns mais, outros menos, uns com mais intensidade, outros com menos. Contudo, quando algo parece estar errado, é importante refletir sobre o que nos levou a esse estado de alerta e compreender se “parece errado” e em que medida “Será da minha cabeça?”, “Isto não me parece bem, mas eu vejo outros casais iguais. Se calhar até é normal.”

E é quando o MAS surge que tudo deve começar a ser avaliado. Quando eu gosto da pessoa, MAS ela critica tudo o que eu digo, interrompe-me quando eu estou a falar. Quando eu até gosto da pessoa, MAS ela desvaloriza as minhas conquistas, critica todos os/as meus/minhas amigos/as. Quando eu gosto da pessoa MAS ela impede-me de vestir o que eu gosto, de me maquilhar, critica o meu corpo. Quando eu gosto da pessoa, MAS ela não respeita a minha individualidade e também não respeita o compromisso que comigo tem. E em casos mais claros, quando eu gosto da pessoa, MAS ela me insulta, me agride fisicamente ou sexualmente, controla o meu telemóvel, isola-me dos meus amigos e família para que cada vez mais viva só para a relação, entre tantos outros.

Ser ‘melhor’ será sempre insuficiente

Neste combinado de ataques à nossa autoestima, começamos a acreditar que não somos suficientes, que devemos emagrecer ou engordar, que devemos ser mais discretos/as, que somos pouco inteligentes, que ninguém gosta de nós a não ser aquela pessoa (e que sortudos/as somos por isso), que não somos capazes de mais. Por isso, perdemos o interesse naquelas que eram as nossas atividades diárias prazerosas, deixamos de nos apreciar como pessoa e começamos a achar que nos devemos diminuir para caber na vida do outro. No essencial, aceitamos/conformamo-nos com uma alteração nos nossos comportamentos para evitar que a pessoa “não fique amuada/chateada” e procuramos incessantemente “melhorar” e ser aquilo que aquela pessoa espera de nós. E, cá entre nós, caro/a leitor/a, mesmo assim, nunca será suficiente.

De ‘porto seguro’ a lugar onde ‘picar o ponto’

Provavelmente ao ler este texto continuarão a tentar compreender quando é que é tóxico e quando não é. Ao primeiro estalo a vítima irá compreender que algo de errado se passa, mas será que ao primeiro insulto a vítima terá a mesma perspetiva? Provavelmente não. E nada de errado há nisso, pois a violência não física tem sido muito tardiamente explorada e nós ainda estamos a aprender a andar nesse piso areoso. Por isso, tudo deve ser avaliado em termos de gravidade, frequência e intenção. Não é porque o/a seu/sua namorado/a criticou uma vez o fantástico risoto que fez que está num relacionamento tóxico. Ou não será porque a nossa cara-metade do momento não concorda com uma opinião nossa que o relacionamento está em fase decadente. Nestes casos importa refletir no momento em que a exceção dá lugar à regra. Aí, talvez devamos repensar qual o objetivo daquela pessoa que continua a insistir num relacionamento amoroso connosco muito embora, aparentemente, nada aprecie em nós. Se tal passa de uma crítica isolada a um insulto ou a uma agressão física e até sexual então, claramente, a pessoa não nos está a tratar como merecemos. Aqui, queria só reforçar que, quando estamos a sentir que algo está errado, devemos partir desse ponto e questionar: porque é que ele/a me faz isto? O que é estes comportamentos me fazem sentir? Se, de repente, aquele que devia ser o nosso porto seguro passa a ser uma espécie de checkpoint onde, e permitam-me a expressão, “picamos o ponto”, justificamos todas as nossas ações e tememos ser criticados/as, então talvez mais valha “estarmos sozinhos/as do que mal acompanhados/as”.

Falta de autoestima do agressor e da vítima

De mãos dadas com estes momentos, e de forma camuflada, vem sempre uma grande insegurança de parte a parte. O relacionamento tóxico, doente, podre e sem crescimento mútuo acontece da parte do agressor, na sua maior parte, por falta de amor-próprio e insegurança, parecendo de repente que o seu objetivo de vida é alimentar o próprio ego rebaixando os outros. Por sua vez, a vítima, também por falta de autoestima, medo de rejeição, medo da solidão aliado a uma crença cultural, principalmente nas mulheres, que assumem, comummente, a postura de cuidadora – “Eu posso endireitá-lo/a”. Mas vamos lá ver uma coisa: numa relação não podemos nem devemos adotar papel de psicólogos. Psicólogos têm formação para tal e são pagos para o fazer.

Colocar limites

Na eventualidade de algum/a leitor/a sentir que está a viver um relacionamento abusivo/ tóxico, convido-o/a fazer um exercício comigo. Imaginem um homem ou uma mulher que admiram e almejariam ser: um/a amigo/a, um/a colega de trabalho, um/a familiar, etc. Pensem agora, caso estejam num relacionamento que vos suscite dúvidas, se achariam que essa pessoa aceitaria os comportamentos que o/a seu/sua namorado/a tem consigo. Se achar que não, então talvez deva repensar essa relação. Ou então, repensar a sua postura nessa relação. Talvez o ponto-chave esteja em procurarmos ser a pessoa que admiramos. Não pelo outro, pois muito provavelmente essa relação terá um término, mas para que saibamos estar onde queremos estar. Por isso friso que os limites somos nós quem os coloca – sabermos o que somos e o que queremos limita a capacidade do outro nos atingir.

Se preciso for, há que procurar ajuda

Na relação devemos procurar acordar leves e deitarmo-nos igualmente leves. Procurar sentir que a pessoa quer estar connosco, respeita os nossos limites e que sabe conversar. Procurar alguém que venha aumentar esta leveza. Mas certamente pensarão que ”nem tudo é um mar de rosas”; e não, claro que não. Mas acredito que grande parte das vezes nós sabemos quando estamos a viver um relacionamento amoroso abusivo, só não sabemos como pará-lo. Como tal, procuramos colocar a dúvida em nós e no que será que caracteriza uma relação abusiva, ao invés de procurarmos conquistar a coragem que nos permitirá dizer “Basta!”. Assim, o apoio psicológico é fundamental, como crescimento pessoal e de perceção da nossa realidade.

Após esta reflexão pergunto-vos: vivem a relação com que sonharam?

Imagem: João Marques

livraria bertrand

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Categorias: Crónica, Sociedade, Violência

Acerca do Autor

Cláudia Rocha

Cláudia Rocha, Psicóloga, mestre em psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, colabora com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) desde 2016. Iniciou o seu percurso no Gabinete de Apoio à Vítima de Braga da APAV estando agora a exercer funções de Técnica de Apoio à Vítima e Gestão do Gabinete de Apoio à Vítima do Departamento de Investigação e Ação Penal da Comarca de Braga. Efetua o atendimento de vítimas de crime. Possui formação no atendimento a vítimas de violência doméstica e crianças e jovens vítimas de violência sexual.

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