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Sem se compreender a proletarização dos médicos e dos jornalistas – feita sempre em nome do ataque aos ‘privilégios’, para defender os muito pobres, na já conhecida frase “Se eu ganho 500, porque ganha ele 3000?” – é impossível explicar o que aconteceu nas últimas 48 horas, em Portugal e em quase todo o mundo, a propósito da vacina.
Explicações científicas necessárias foram substituídas por profissões de fé, nus, e razão de Estado. Um acto íntimo e de saúde tornou-se público e político. A vacinação – não esta em particular, mas as vacinas em geral -, são um acto de saúde pública, que abrange inúmeras doenças e requer a máxima confiança da população nas entidades competentes – não é nem nunca poderá ser um teatro político para sufragar a acção do Estado.
Como depositamos confiança nos profissionais de saúde?
Os meios e os fins são indissociáveis. O que estou a tentar explicar é um paradoxo só na aparência. Mais gente será vacinada com estes meios, no imediato, e menos a longo prazo e por doenças até mais graves, infelizmente. Na busca de contrariar a desconfiança usaram-se meios – informação e propaganda (as duas consoante os espaços) massiva ininterrupta – que só aumentam a desconfiança das populações a médio prazo. Se era para conseguir a adesão massiva de populações desconfiadas escolhiam-se os cientistas mais circunspectos, com mais argumentos, mais sérios e aborrecidos, e sem imagens. Vou ser gráfica para explicar o meu argumento: Alguém escolhe um médico em função da sua roupa? Da sua imagem? É esse o simbolismo de confiança que depositamos nos profissionais de saúde?
Mercadoria simbólica
Faço em pergunta: depois destes dias de nus e “chegámos à lua” 24 horas por dia, com directos do camião [com as primeiras vacinas] a chegar [a Portugal] repetidos ad nauseum, a confiança das populações nas instituições de saúde aumentou ou diminuiu? Para o Estado, por fim, que é o que nos interessa mais, a conclusão é fácil: é menos doloroso para a democracia ir ao programa da Cristina do que usar uma vacina (excelente ou não, nova ou antiga) como arma política. Lamento que não possa explicar melhor o meu ponto de vista, abstracto nesta situação pandémica – a vacina não cabe na televisão, não pode ser uma mercadoria simbólica. Nem médicos nem jornalistas podem ser mercantilizados. Porque isso lhes retira toda a simbologia, que é o reconhecimento público de um sentido do trabalho que não pode, no mais difícil dos momentos, sucumbir nesse quesito – o sentido do seu trabalho.
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