Tempo de receber novas estações, tempo de mudança

Tempo de receber novas estações, tempo de mudança

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Todo o mundo é composto de mudança tomando sempre novas qualidades.

 

Anteontem recebemos a neve em Munique. Descobri que, esteja onde estiver, gosto do tempo com tempo, dos ritmos das estações marcadas, gosto de as ver chegar e de me despedir delas. Vi as folhas ficarem vermelhas, quando aqui cheguei em Outubro, as árvores despidas, e agora chega a neve. Sei que em Portugal no fim de semana já vou ter as primeiras laranjas do nosso jardim, que chegam depois dos dióspiros e das romãs. Que agora acendemos a lareira mais cedo até ao Natal, porque os dias vão encurtando. Temos menos ovos caseiros (os outros não são ovos, são um mutante que usurpou a identidade) porque, dizem-me, as galinhas não gostam de frio. Sei quando vem a Primavera porque não sabemos o que fazer a tantos ovos, símbolo da Páscoa, justamente por isso, a abundância da Primavera.

Com a alegria com que hoje – 01-12-2020 – farei o percurso até à Universidade, a brincar com a neve, darei as boas vindas aos dias a crescer no final de Janeiro, que nos dá mais um pedaço de tempo, de luz, muda-nos os planos. Estas mudanças, cheias de clichês literários, repetidos uma e outra vez, são um poderoso regulador interno da vida. Talvez por isso Kandinsky tenha pintado uma paisagem de inverno cheia de cores. Ele via para além do manto branco – o homem que imagina e projecta o futuro.

Num centro comercial, contraste supremo do tempo moderno, não há estações: a luz, a temperatura, os sons, tudo se repete, como numa prisão luxuosa, onde o tempo foi suspenso. Não há mudança. Na prisão – estou a ler Homens na Prisão, de Victor Serge –, os homens desenham os dias porque não há dias diferentes das noites, não há estações. Cá fora, na neve de Munique, ou no vento frio e húmido do nosso atlântico português, há um tempo, vivemos o tempo.

Durante muito tempo pensei que a minha alegria a receber as estações vinha das rotinas e das memórias de infância que com elas regressam. Hoje estou convencida que é também isso, mas é mais contraditório – as estações pronunciadas trazem consigo a noção inescapável da transformação, da mudança. Ou seja, apresentam-nos o ritmo da história – do passado que nunca se repete e do futuro que nasce sempre.

Um dia, Oliver Sachs tratou um paciente sem história e, por isso, sem futuro. Vivia numa prisão por falta de memória. Tinha que estar preso (internado) porque era um perigo para si próprio. Camões deixou em verso a mudança, no mais Hegeliano dos seus poemas, muito antes de Hegel existir, numa antecipação poética do mais alto que a filosofia chegou.

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Obs1: texto com publicação original no blogue Raquel Varela – Historiadora, tendo o texto sido sujeito a ligeiras adequações editoriais.

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Categorias: Crónica, Cultura, Sociedade

Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

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