Religião | ‘Fratelli Tutti’: aspiração à fraternidade e amizade social

Religião | ‘Fratelli Tutti’: aspiração à fraternidade e amizade social

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“Quais são os grandes ideais, mas também os caminhos concretos para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações quotidianas, na vida social, na política e nas instituições?”, interroga-se Helena Oliveira na publicação VER – Valores Ética Responsabilidade. A autora assinala  que esta é, de facto, a questão à qual o Papa Francisco procura responder na sua encíclica Fratelli Tutti, recentemente dada a conhecer, e que se segue a Lumen fidei e Laudatio si’. Em resposta à questão levantada, Helena Oliveira deixa a sua resposta com um resumo deste relevante texto.

Promover uma aspiração mundial à fraternidade e à amizade social

Tendo como pano de fundo à sua redação a pandemia de Covid-19, que apareceu “de forma inesperada”, entende o Papa que a emergência sanitária global mostra que é chegado o momento de “sonhar como uma única humanidade”, na qual somos “todos irmãos”.

Esta Encíclica tem como objectivo fundamental promover uma aspiração mundial à fraternidade e à amizade social. Por isso, a Fratelli Tutti é definida pelo Papa como uma “Encíclica Social” que toma emprestado o seu título das “Admoestações” de São Francisco de Assis, que usava essas mesmas palavras “para se dirigir a todos os irmãos e irmãs e lhes propor uma forma de vida com sabor do Evangelho”.

Das sombras às luzes

No primeiro capítulo, intitulado As sombras de um mundo fechado, “o documento aborda as muitas distorções da época contemporânea que constroem uma “cultura de muros”: a manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade e justiça; o egoísmo e a falta de interesse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo, a pobreza; a desigualdade de direitos e as suas aberrações como a escravatura, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois forçadas a abortar, o tráfico de órgãos”.

A Encíclica responde a estas sombras com o exemplo luminoso do “bom samaritano” a quem é dedicado o segundo capítulo Um estranho no caminho. Numa sociedade doente, “analfabeta” em relação à dor e ao cuidado que os mais frágeis e vulneráveis merecem, o Papa invoca todos a estarem próximos uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais. Exorta em particular os cristãos a reconhecerem Cristo no rosto de cada pessoa excluída: “Somos feitos para o amor”.

Sair de si ao encontro de uma existência plena

O princípio da capacidade de amar segundo “uma dimensão universal” é também retomado no terceiro capítulo, Pensar e gerar um mundo aberto. Nele, Francisco exorta cada um de nós a “sair de si mesmo” para encontrar nos outros “uma existência mais plena”. A estatura espiritual da vida humana mede-se pelo amor, que surge “sempre em primeiro lugar (…) longe de qualquer egoísmo”. O sentido da solidariedade e da fraternidade nasce no interior das famílias que devem ser protegidas e respeitadas na sua “missão educativa primária e imprescindível”.

Limites à propriedade e à fronteira

O direito a viver com dignidade não pode ser negado a ninguém, reafirma o Papa Francisco. Uma vez que os direitos não têm fronteiras, ninguém pode ser excluído, independentemente do local onde nasceu. Deste modo, o Papa pede “uma ética das relações internacionais”. Cada país pertence também aos estrangeiros, pelo que o património territorial não pode ser negado àqueles que têm necessidades e que provêm de outro lugar. O direito natural à propriedade privada será, portanto, secundário em relação ao princípio do destino universal dos bens criados.

A Encíclica Fratelli Tutti enfatiza também e especificamente a questão da dívida externa: sendo certo que toda a dívida legitimamente contraída deva ser paga, espera-se, no entanto, que isto não comprometa o crescimento e a subsistência dos países mais pobres.

Governança global em nome de desenvolvimento solidário

Parte do texto é dedicado às migrações, um dos temas mais polémicos deste início de século. O quarto capítulo – Um coração aberto ao mundo inteiro – lembra-se que, com as suas “vidas dilaceradas”, em fuga das guerras, perseguições, catástrofes naturais, de traficantes sem escrúpulos, arrancados das suas comunidades de origem, os migrantes devem ser bem acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Nos países de acolhimento, o justo equilíbrio deverá situar-se entre a protecção dos direitos dos cidadãos e a garantia de acolhimento e assistência aos migrantes. Francisco deixa mesmo respostas concretas: aumentar e simplificar a concessão de vistos; abrir corredores humanitários; oferecer alojamento, segurança e serviços essenciais; oferecer possibilidade de trabalho e formação; favorecer a reunificação familiar; proteger os menores e garantir a liberdade religiosa. O que é necessário, acima de tudo, é uma governança global, uma colaboração internacional para a migração que implemente um planeamento a longo prazo, indo além das emergências isoladas, em nome de um desenvolvimento solidário de todos os povos.

Por uma política populista

O Papa Francisco adere à linguagem dos tempos e pugna por um tipo particular de ‘populismo’, aquele que está ao serviço do bem comum e reconhece a importância do povo, levandando a uma melhor praxis. A política melhor, representa uma forma aberta, disponível à discussão e ao diálogo. Este poulismo contraria aqueloutro “populismo” que ignora a legitimidade da noção de “povo”, atraindo consensos para os explorar para o seu próprio serviço e fomentando o egoísmo a fim de aumentar a sua própria popularidade.

… que promova o trabalho e os direitos fundamentais

Mas a melhor política é também a que protege o trabalho e procura assegurar que cada um tenha a possibilidade de desenvolver as suas próprias capacidades. A melhor estratégia contra a pobreza não visa simplesmente conter ou tornar os indigentes inofensivos, mas promovê-los na perspectiva da solidariedade e da subsidiariedade.

A tarefa da política, além disso, é encontrar uma solução para todos os ataques aos direitos humanos fundamentais, tais como a exclusão social; a comercialização de órgãos, tecidos, armas e drogas; exploração sexual; trabalho escravo; terrorismo e crime organizado. O Papa faz ainda um apelo enfático à eliminação definitiva do tráfico humano, uma “fonte de vergonha para a humanidade”, bem como da fome, que é “criminosa” porque a alimentação é “um direito inalienável”.

Mercado sim, mas…

A política de que precisamos, sublinha também o Pontífice, deve estar centrada na dignidade humana e não submetida às finanças porque “o mercado, por si só, não pode resolver todos os problemas”. É possível passar-se de uma política “para” os pobres para uma política “com” e “dos” pobres.

Outro desejo presente na Encíclica diz respeito à reforma da ONU: face à predominância da dimensão económica, a tarefa das Nações Unidas será a de conferir substância ao conceito de uma “família de nações”, promovendo a força da lei e não a lei da força.

Libertação pela via do milagre da bondade

Diálogo e amizade social, no sexto capítulo, emergem profundamente do conceito de vida como “arte do encontro” com todos, mas também com as periferias do mundo e com os povos originais, porque “cada um de nós pode aprender algo com os outros. Ninguém é inútil e ninguém é dispensável”. De particular destaque é a referência do Papa ao “milagre da bondade”, uma atitude a ser recuperada porque é “uma estrela que brilha no meio da escuridão” e uma “libertação da crueldade (…), da ansiedade (…) e do frenesim da atividade” que prevalecem na era contemporânea.

O valor e a promoção da paz são refletidos no penúltimo capítulo – Percursos de um novo encontro – no qual o Papa Francisco destaca a ligação da paz à verdade, à justiça e à misericórdia. “Proactiva”, visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo. O perdão é indissociável da paz: amar a todos, sem excepção. Assim, amar um opressor significa ajudá-lo a mudar e não permitir que continue a oprimir o seu próximo. Perdão não significa impunidade, mas justiça e memória, porque perdoar não é esquecer, mas renunciar à força destrutiva do mal e da vingança. É, por isso, preciso manter viva a chama da consciência coletiva e igualmente importante recordar o bem.

Lembrando a guerra como “ameaça constante” que representa “a negação de todos os direitos”, o Pontófice afirma a impossibilidade de uma “guerra justa”. A eliminação total das armas nucleares é “um imperativo moral e humanitário”. Em vez de investir em armas, eliminemos a fome. Mas também esse ato inadmissível que é a pena de morte. “O homicida não perde a sua dignidade pessoal e há necessidade de respeitar “a sacralidade da vida”.

Liberdade religiosa, afirmação de paz

Por fim, no oitavo e último capítulo, Francisco centra-se nas Religiões ao serviço da fraternidade no mundo e reitera que o terrorismo não se deve à religião, mas a interpretações erradas de textos religiosos, bem como a políticas de fome, pobreza, injustiça e opressão. Um caminho de paz entre as religiões é, portanto, possível; é, por isso, indispensável garantir a liberdade religiosa, um direito humano fundamental para todos os crentes.

Fundamentos da ação da Igreja: diálogo, cooperação e conhecimento

A Encíclica apresenta, em particular, uma reflexão sobre o papel da Igreja, que não “restringe a sua missão à esfera privada”, afirma. Embora não se envolva na política, não renuncia à dimensão política da própria vida, à atenção ao bem comum e à preocupação pelo desenvolvimento humano integral, de acordo com os princípios evangélicos.

A terminar, Francisco cita o “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum“, marco do diálogo inter-religioso e retoma o apelo para que, em nome da fraternidade humana, o diálogo seja adotado como caminho, a cooperação comum como conduta e o conhecimento mútuo como método e norma.

 

Fonte e Imagem: VER

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