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Um destes dias folheei um tratado árabe de agricultura do século XI que me surpreendeu. Ali, com quase mil anos de distância, observei plantas que ainda hoje estão à nossa mesa. Os tremoços, as ameixas, o trigo, as cabaças, o feijão-frade (porque o outro ainda não tinha cá chegado), o grão-de-bico e tantos outros alimentos. E lá está também o manjerico, a crescer num vaso, ladeado por uma dama, que delicadamente lhe põe a mão por cima para depois o cheirar, e um homem a cheirar um raminho que tem entre as mãos. E este gesto simples que ainda hoje repetimos fez-me viajar para as festas populares deste mês de Junho onde o manjerico e outras ervas andam por aí, de mão em mão, a alegrar os espíritos. Sim, porque este é o mês em que todas as ervas aromáticas atingem o seu crescimento, exalando o máximo do seu perfume. É, por isso, também, o mês em que se colhem e guardam a maior parte das ervas para consumir ao longo do ano, em chás e tisanas ou para aromatizar a comida. E, segundo a tradição, algumas destas ervas, para terem depois o seu efeito terapêutico, tinham que ser colhidas na noite de São João. E porque o cheiro é forte e aromático, nesta mesma noite leva-se para o arraial um raminho de qualquer erva, mais ou menos cheirosa, para se dar a cheirar ou, então, queima-se o rosmaninho e outras ervas em fogueiras purificadoras.
Mas aquele manjerico tocou-me especialmente. E deixou-me curiosa. Procurei-o, por isso, em tratados agrícolas dos séculos seguintes, mas não o encontrei. Apenas em 1825 há um botânico que diz que se cultivam em alegretes e jardins. Registei ainda uma outra nota documental: as freiras do convento do Carmo de Guimarães compraram em Junho de 1725 uns sachinhos para picarem os “cheiros e os alegretes”. E eu quero acreditar que nestes alegretes cresciam alguns manjericos.
Contas feitas, o manjerico está por cá, há pelo menos mil anos, talvez até desde o tempo dos romanos, para perfumar e alegrar os dias quentes do Verão. Só que de tão quotidiano pouco se registou a seu respeito. Valeu-nos esta imagem tão bela e tão antiga!
Só que este ano quase não apareceu nas praças, nos restaurantes e nos cafés. E eu, nos sítios habituais, também não encontrei o meu manjerico à venda; e não, ainda não o comprei.
Em tempo de pandemia até os manjericos ficaram confinados!
Imagem: BNF
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