Léon Flameng, desportivismo puro nos Jogos Olímpicos de Atenas 1896

Léon Flameng, desportivismo puro nos Jogos Olímpicos de Atenas 1896

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Léon Flameng fez história no ciclismo nos Jogos Olímpicos de Atenas de 1896.

A Grécia recebia a primeira edição da Era Moderna dos Jogos Olímpicos, dois anos após o Congresso da Sorbonne, realizado na cidade de Paris, em 23 de Junho de 1894, uma assembleia magna que reuniu personalidades de vários países e de onde brotou a formação do primeiro Comité Olímpico Internacional. Pierre de Coubertin via, assim, concretizado o seu desejo da recriação olímpica e a internacionalização daquele fenómeno desportivo: dez países, trezentos e onze atletas e nove modalidades desportivas em Atenas na sua efetivação.

Em todas as manifestações atléticas integrantes, no ciclismo, a prova dos cem quilómetros demarcou-se como a mais penosa, com o desempenho da maioria dos atletas a quedar-se por um nível muito aquém das expectativas geradas.

Dois atletas incomuns: Léon Flameng e Georgios Kolletis

De uma dezena de ciclistas participantes, somente dois, o francês Léon Flameng e o grego Georgios Kolletis, conseguiram demonstrar valia e capacidade para tão custosa tarefa – uma prova, inicialmente destinada a um percurso de estrada acabou por ser transferida para o Velódromo de Falero (ou de Nova Faliro) onde, trezentas voltas completaram e justificaram a distância estabelecida. Com um já considerável número de quilómetros vencidos, os dois atletas foram-se distanciando do resto do pelotão, um reduzido número que ia ficando para trás, acusando a fraqueza das suas pernas – o francês e o grego foram, com gradual vantagem, sugando o resto do percurso.

De repente, o azar colou-se a um deles!

Uma prova de ciclismo de 100 km

Uma avaria mecânica obrigou o grego a encostar à berma da pista e, espanto para quem assistia, Léon Flameng, de imediato, interrompeu também a sua pedalada e foi ao encontro do adversário, numa atitude de puro desportivismo, um comportamento que haveria de, no futuro, ser apodado de fair-play, um neologismo a vogar pelos meandros da língua, infelizmente, hoje, talvez, gasto de tão evocado mas não cumprido nem respeitado como merecia!

O gesto do francês constituiu, sem dúvida, a expressão de um genuíno e saudoso tipo de atitude humana, esse tão bafejado desportivismo, naquele tempo vivido e liberto ainda das desmesuradas pressões que no futuro o iriam abastardar – tributo a Pierre de Coubertin que, numa atitude pedagógica, sempre defendeu e valorizou o interesse “na participação desportiva, independentemente do resultado”.

O episódio, agora evocado, deverá ser estimado como a primeira, conhecida e oficial amostragem da perene demonstração de um autêntico espírito olímpico.

Léon Flameng ajudou mesmo Georgios Kolletis a solucionar o problema mecânico com que se defrontava. Após a reparação da avaria, ambos montaram, novamente, as suas máquinas e deram continuidade à pedalada, rumo à meta. Coube ao francês o mérito e a satisfação de a cortar em primeiro lugar, com algum avanço sobre o grego – um prémio duplo – gastou 3h 8m e 19s para satisfazer aqueles cem quilómetros e tornava-se campeão olímpico.

Léon Flameng foi levado em triunfo pelos espectadores mais entusiasmados, um magote de assistentes de entre os possíveis vinte mil presentes que vibrou com o seu êxito – cortaria a meta com uma bandeira francesa, ondulante, presa a uma das pernas.

Quando o atleta francês participou nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 1896, contava apenas dezanove anos de idade, muito novo ainda quando, na presença do monarca grego, George I, recebeu a Medalha que ficaria para a história como a do primeiro campeão olímpico do ciclismo.

Um final infeliz na Primeira Guerra Mundial

Malgrado, dez anos decorridos, iria tombar, incluído no extenso rol dos atletas olímpicos imolados na Primeira Grande Guerra, uma morte adiada porque já antes havia passado por momentos aflitivos. Era piloto aviador e no posto de sargento, no dia 21 de Junho de 1916, quando realizava um voo de reconhecimento sobre Verdun, foi surpreendido por um ataque inimigo – o companheiro, o piloto navegador, foi abatido e ele mesmo sofreu um tiro no rosto, um desastre que não o impediu de continuar ao comando do seu avião e conseguir chegar a terra firme. Miraculosamente, havia sobrevivido e após ser retirado da carlinga, seguiu para um hospital de campanha em Vadelaincourt onde sofreu uma intervenção cirúrgica e foi alvo de cuidada atenção.

Três meses decorridos, apesar de ainda estar sob vigilância, tomou a decisão de abandonar o hospital e continuar a tarefa que havia sido interrompida, mesmo contrariando os avisos médicos – uma teimosia justificada pelo seu espírito guerreiro e o seu patriotismo, reconhecido por duas citações para a Cruz de Guerra. Após retomar as funções de piloto, Flameng iria realizar voos de reconhecimento nas regiões de Thionville, Hayange e Rombach, as mais afetadas pela ação inimiga. Pilotava um bimotor numa missão de ensaio e num desses testes iria encontrar a morte devido a uma avaria – a máquina despenhou-se e ele não foi capaz de abrir o paraquedas. Um campeão infeliz!

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Imagens: (0) Albert Meyer (1) COI/Panini (ed VN)

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Categorias: Ciclismo, Desporto, Olimpismo

Acerca do Autor

Ilídio Torres

Membro da Academia Olímpica de Portugal, órgão do Comité Olímpico de Portugal.

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