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Este texto que hoje escrevo pode parecer “meio embrulhado”, tantas são as imagens e mensagens que me assolam o pensamento e a alma. Pela confusão de contextos que possa criar, peço antecipadamente desculpas, mas de facto há afinidades entre os temas que não consigo, não quero, nem posso evitar.
O Dia Internacional da Mulher de 2020 tem como tema “Eu sou a Geração Igualdade: concretizar os direitos das mulheres”. Apesar de em muitos lugares no mundo a mudança se fazer lentamente, em outros, porém, os progressos têm sido grandes e a bom ritmo.
Hoje, muitas mulheres e homens estão unidos e falam abertamente por todas as mulheres que foram (e ainda são) silenciadas e estigmatizadas. Muitos desses homens e mulheres, que tentam fazer a diferença, são de uma nova geração. Uma nova geração generosa, solidária, criativa, que se tem permitido (re)idealizar economias, sociedades e sistemas políticos promotores dos direitos humanos e concretizadores da igualdade (também de género), desde há muito proclamada.
Apesar dos consideráveis progressos, mesmo nos países mais desenvolvidos, todos reconhecem que há ainda caminho para percorrer no combate a todas as formas de violência contra mulheres e meninas, mas também no que respeita à igualdade de remuneração, divisão igualitária do trabalho de cuidado e do trabalho doméstico, à participação igualitária na vida política e em funções de liderança.
No que ao trabalho diz respeito, em Portugal ainda existem assimetrias resultantes de um passado de grande desigualdade, embora tenha havido avanços notáveis nas últimas quatro décadas. Se pensarmos que só em 1978 as mulheres passaram a poder exercer qualquer profissão ou atividade sem precisarem do consentimento do marido, então temos a real noção do tanto que evoluímos.
Entretanto, as mulheres ganharam competitividade, através de mais escolaridade, formação e experiência. Claro que as mudanças não acontecem de um dia para o outro, mas todos os setores estão atentos e acredito que a igualdade acabará por ser concretizada e, talvez com algum otimismo, porventura não serão necessários mais 40 anos para a levarmos a cabo.
Embora reconheça que ainda há caminho a percorrer em relação a esta temática, temo que haverá um muito maior e mais sinuoso em relação a outras assimetrias.
Nasci em 1977 e, assim, pertenço a uma geração que teve acesso a todas as oportunidades que decorreram do 25 de abril. Sou de uma geração que, não tendo lutado pela liberdade, usufruiu plenamente dela. Tanto as raparigas como os rapazes. Uma geração que beneficiou das políticas de qualidade e igualdade que os nossos pais ajudaram a construir, nomeadamente no ensino. As escolas públicas eram credíveis e exigentes! Aos professores era reconhecida autoridade, muito diferente da rigidez e inflexibilidade dos professores dos nossos pais. Um privilégio! Seria natural que a evolução fosse sempre no sentido positivo, mas infelizmente não tem acontecido assim. Nas escolas portuguesas, há hoje professores enxovalhados e agredidos, física e verbalmente, sem qualquer garantia dos seus direitos enquanto indivíduos e enquanto classe profissional.
Na última Assembleia Municipal de Barcelos, no dia 28 de fevereiro, vários munícipes, pais e mães, vieram pôr a nu as condições da escola onde, diariamente, deixam os seus filhos: uma escola em que o recreio tem escadas de pedra sinuosas, as casas-de-banho são hediondas, as salas-de-aula têm água a escorrer nas paredes e o quadro elétrico não suporta um aquecedor ligado. Sabe-se, também, não ser esta a única escola nestas condições.
Nos dias de hoje, e no país que temos, não me preocupa o facto de ter duas filhas mulheres. Preocupa-me, sim, não estar segura de que a geração das minhas filhas tenha acesso às mesmas condições que eu tive.
Sabemos que parte das desigualdades começa em casa, mas é a escola que tem o dever de nivelar as assimetrias (e nivelá-las por cima!), através do ensino, da aprendizagem, da cultura e do conhecimento. Todos, meninas e meninos, têm que ter o mesmo acesso e os mesmos direitos.
Enquanto houver jardins-de-infância onde meninas e meninos pintam os seus desenhos com os casacos vestidos, com luvas e cachecol, não estaremos a honrar aquilo que recebemos. Enquanto houver escolas onde meninas e meninos vão de mantas e se aquecem nas salamandras da sala-de-aula, não estaremos a honrar aquilo que recebemos. Enquanto houver escolas onde chove dentro das salas, enquanto houver escolas cheias de amianto e de infiltrações, falar de igualdade de género soará sempre a pegar na parte mais moderna de um problema de desigualdade muito mais amplo.
Cerca de 27% do meu vencimento vai para IRS. Isto significa que, no espaço temporal de um mês, o rendimento do meu trabalho de mais de uma semana deve ser dirigido para as escolas, para os hospitais, para as estradas do meu país. Gosto de pensar que é aplicado na minha região, no meu concelho. Nessa mesma Assembleia Municipal, num exercício pleno de cidadania, de democracia e de coragem, pudemos ouvir, também, testemunhos reiterados e desesperados dos utilizadores da estrada municipal 505 e que a urgência pediátrica do Hospital de Barcelos corre o risco de fechar.
Não aceito estas condições para as gerações seguintes. Não aceito, porque não é justo. Não é justo para eles, não é justo para os nossos pais e não é justo para nós que pagamos tantos impostos.
Por isso, vénias e honras a estas mães e pais que se indignam e que não aceitam para os seus filhos menos do que os nossos pais conseguiram para nós. Saibamos estar todos juntos com os olhos postos numa Geração Igualdade e que cada um faça a sua parte na mudança!
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