O filme A Herdade, do realizador Tiago Guedes, é exibido pelo Cineclube de Joane, na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, esta quinta-feira, 31 de outubro, pelas 21h45. O filme revisita um tempo português, ainda contemporâneo, pré e pós-25 de Abril. Como fonte de inspiração, muitas das memórias do produtor de cinema Paulo Branco. O realizador Tiago Guedes recebeu o Prémio Bisato d’Oro da crítica independente para Melhor Realização na edição de 2019 do Festival de Cinema de Veneza , onde Portugal não estava presente há catorze anos, e é atualmente, com outros 92 filmes, candidato ao Óscar de melhor filme estrangeiro.
Embora A Herdade se desenrole num latifúndio alentejano, “era importante que o filme tivesse uma dimensão universal,” fugindo às situações folclóricas como “a relação com os touros e, sobretudo, a faceta marialva de algumas personagens com que me cruzei nessa época”, lembrou Paulo Branco a João Lopes em entrevista publicada no Diário de Notícias.
A Herdade apresenta a saga familiar de um dos maiores latifúndios da Europa, na margem sul do rio Tejo. Convida-nos por isso a mergulhar profundamente nos segredos da sua enorme propriedade, fazendo o retrato da vida histórica, política, social e financeira de Portugal, desde os anos 40 até aos dias de hoje, atravessando a Revolução do 25 de Abril e os tempos quentes do PREC. A Herdade é uma produção de Paulo Branco, com argumento do escritor Rui Cardoso Martins e do realizador Tiago Guedes. No papel principal, conta com Albano Jerónimo como intérprete.
Segundo Paulo Branco, a paisagem de A Herdade é “paisagem do espaço das obscuras ações das personagens, consumidas por angústias, preconceitos sociais, cobiças, amores e desencontros”. Este é “um filme de personagens, de atores, de interpretações fortes, da grandeza das paisagens que os envolvem e das consequências dos segredos que transportam. As heranças que nos deixam e as heranças que deixamos aos outros”, assinala Paulo Branco refletindo sobre as heranças, que fazem de nós aquilo que somos, em texto sobre o filme disponível no sítio do Cineclube de Joane.
Mesmo não esquecendo a espantosa diversidade de autores que integram a lista de mais de duas centenas de filmes produzidos por Paulo Branco – Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Raúl Ruiz, Wim Wenders, David Cronenberg, etc. -, A Herdade começou por surgir aos olhos do público como um projeto de produtor. “A Herdade nasceu quando Carlos Saboga estava a desenvolver o argumento de Mistérios de Lisboa [Raúl Ruiz, 2010]. Comecei aí a procurar alguém que pudesse trabalhar e transformar a minha ideia”, referiu o produtor. “O que me fascinou foi a possibilidade de fazer um retrato da vida nos latifúndios em Portugal, retrato que estava em grande parte por esboçar, mesmo tendo em conta que José Cardoso Pires já tinha abordado esse universo no romance O Delfim [1968]. Vivia-se um tempo fora da realidade, que era também um tempo fora dos padrões europeus. Foi, aliás, por isso que parti [para França em 1971]: senti que aquele era um mundo que, inevitavelmente, iria acabar”, acrescentou Paulo Branco.
“Não posso deixar de dizer que fui muito feliz naquele tempo, sendo certo que aquilo que acontecia me ia dando consciência de muitas outras coisas”, recorda Paulo Branco na mesma entrevista contrapondo João Lopes não ser esta uma palavra que integre as visões políticas que tendem a demonizar o que então se vivia: “Fui extremamente feliz. É um tempo de que guardo recordações únicas e também amizades únicas, que permanecem muito fortes – o que não impedia que desejasse descobrir outros horizontes.”
“Ao longo da vida, são as opções e as escolhas que nos vão definindo, mas transportamos connosco matéria que não percebemos nem controlamos. Algo nos faz ser e agir, algo que nasceu connosco e nos foi passado, algo que herdámos. Este filme fala-nos dessas ligações invisíveis que nos definem e condicionam”.
O cenário é semelhante a uma metáfora da vida do personagem principal, “um homem carismático, daqueles maiores do que a vida”. Ambos, o homem e a terra, são grandiosos, mas com o desenrolar da ação vão revelando as suas imperfeições e tanto um como o outro se começam a desmoronar.
Sobre a personagem principal do filme, João [Fernandes], o ator que lhe dá vida, Albano Jerónimo, em entrevista conduzida por Inês Lourenço no sítio do filme, evidencia a ideia de esta “ser alguém “maior que a vida” proporcionada por um “efeito eucalipto que seca tudo à volta”. E prossegue: “Este género de homem que, antes de ler o guião, sempre achei que morreria cedo – e é precisamente o contrário. Estes tipos morrem tarde e as pessoas à volta é que vão morrendo…”
“A Herdade (palavra que tem origem no latim “Hereditas” tal como a palavra Herança) funciona quase como uma enorme ilha dentro de um país dominado por uma ditadura fascista. Uma espécie de reino dominado por um carismático príncipe anarquista e progressista. Mas que inevitavelmente chocará de frente com a vontade de mudança de um povo. Um confronto com as mudanças da história, com a passagem dos tempos”.
Aí reside a palavra-chave do filme: melodrama. “Não no sentido pejorativo que o senso comum, muitas vezes, lhe atribui. Ou seja: falamos do género clássico em que reconhecemos uma intensidade “poderosa” a pontuar as convulsões, ruturas e reencontros das relações homens-mulheres: “O filme acompanha a transformação de um mundo quase feudal, passa pela Revolução e chega aos tempos do neoliberalismo. Nessa evolução, gerou-se uma energia incrível que deu visibilidade a sentimentos e frustrações que existiam no interior das famílias, por vezes de forma destruidora, outras verdadeiramente libertadora. Aconteceu com filhos, pais, mães, amantes… É daí que vem o melodrama””.
A Herdade (2019) de Tiago Guedes – trailer
Ficha técnica
Título original: A Herdade (Portugal, 2019)
Realização: Tiago Guedes
Interpretação: Albano Jerónimo, Sandra Faleiro, Miguel Borges
Argumento: Rui Cardoso Martins e Tiago Guedes, com a colaboração de Gilles Taurand

Fontes: A Herdade – o filme, Cineclube de Joane, Diário de Notícias, Wikipedia
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