Poesia | A esta hora os jornais já anunciaram

Poesia | A esta hora os jornais já anunciaram

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A esta hora os jornais já anunciaram:

 

Um Homem e uma Mulher

foram presos num banco de jardim

[às dez da noite de Domingo

 

Tinham em seu poder:

                                 uma mala de mão

um coração de barro

um secador de cabelo

uma bicicleta sem pedais

a palavra Parabéns

num pedaço de papel de parede

 

e a dúvida:    quem teria ontem adormecido primeiro?

 

Para camuflar a sua presença

o casal levava o que restava de um cartaz publicitário do Corte Inglês

e uma criança debaixo dos braços,

que só mais tarde se confirmou ser de plástico.

 

A esta hora os jornais já anunciaram:

 

Um Homem e uma Mulher foram acusados do crime

de não terem trabalho,

nem uma casa

nem filhos

nem a última noite em dia

Acusados de se amarem subversivamente num banco de jardim

[a um Domingo

 

com uma mala de mão

um secador de cabelo

um coração de barro

a palavra Parabéns

 

dois beijos na mão

e outro   que tentaram atirar ao chão no momento do crime

numa inocente conspiração

do amor.

 

A esta hora os jornais já anunciaram:

 

Foram apanhados em flagrante delito

um Homem e uma Mulher

num banco de jardim

 

implorando

jurando

perante os juízes do saber

não somos culpados!

Do Crime…

 

Ela e Ele

 

Não eram culpados mas confirmando que sim

que há muito não tinham trabalho,

nem casa

nem filhos

nem o recibo da última noite em dia

mas que a bicicleta era usada!

e que não foram eles…

 

tão boa gente eles eram

 

Que bem tentaram mas que se arrastavam

e não sabendo porquê… ainda se amavam

 

AINDA NOS AMAMOS

 

E deram as mãos para certificar que se amavam

subversivamente a um Domingo

num banco de jardim

 

Foram presos:   Ela e Ele

 

anunciaram os jornais

às dez da noite daquele

Domingo.

 

 

Um comunicado oficial de última hora informa que afinal o homem e a mulher

fazem parte de um grupo de actores contratados pelo centro de emprego

para entreter poetas.

 

Obs: Este poema é parte integrante do livro Mecanismo de Emergência.

 

Imagem: Michelangelo Buinarroti (The Yorck Project)

 

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Categorias: Cultura

Acerca do Autor

Tiago Alves Costa

Tiago Alves Costa nasceu em 1980, Vila Nova de Famalicão. É escritor e editor. Estudou Publicidade e Pós-Graduou-se em Criatividade e Inovação pela Tompkins Cortland Community College (E.U.A). Autor dos livros W.c constrangido (2012) e Mecanismo de Emergência (2016). Alguns dos seus poemas foram antologizados e traduzidos para castelhano e inglês. É membro da Associação Galega da Língua (AGAL). E o primeiro português a fazer parte da Associação de Escritoras e Escritores em Língua Galega (AELG). Colabora activamente como escritor e editor na revista literária [sem] Equívocos e na plataforma digital de Arte e Pensamento Palavra Comum. Em 2017 recebeu a Menção Honrosa do Prémio Internacional Glória D´Santanna pelo seu livro Mecanismo de Emergência (Através Editora, selo da Associação Galega da Língua). Vive actualmente na cidade da Corunha.

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