Histórla Contrafactual | E se o General Humberto Delgado tivesse sido Presidente da República?

Histórla Contrafactual | E se o General Humberto Delgado tivesse sido Presidente da República?

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No dia 8 de junho, assinalou-se o 70.º aniversário das eleições presidenciais de 1958, eleições essas em que o general Humberto Delgado concorreu e se tornaram  o momento mais crítico do regime autoritário do Estado Novo.

É legítimo perguntar o que aconteceria se o general Humberto Delgado tivesse sido eleito Presidente da República nas eleições de 1958, provavelmente um dos atos eleitorais mais decisivos do Portugal do século XX.

Eis o relato imaginário de um Portugal alternativo, que começa com a campanha eleitoral de um Delgado eleito como Presidente da República, protagonizando uma transformação histórica sem precedentes.

 

“Obviamente demito-o”

Numa conferência de imprensa realizada no café lisboeta Chave D’Ouro, a 10 de maio de 1958, em resposta a um jornalista da agência noticiosa France Press que lhe pergunta qual o destino que daria a Salazar no caso de ganhar as eleições, Humberto Delgado responde de forma direta: “Obviamente demito-o”

A vasta mobilização popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas a perspetiva de uma transformação política do Pais no sentido da sua democratização. Em 14 de maio, o povo do norte de Portugal concentrou-se numa enorme manifestação no Porto, com mais de 200 mil pessoas.

Apanhado de surpresa pelo entusiasmo popular por todo o país, o regime tomou medidas de emergência destinadas a evitar mais demonstrações em Lisboa. Assim, após a chegada de Delgado à estação de Santa Apolónia a 16 de Maio de 1958 as forças da Guarda Nacional Republicana e os agentes da PIDE exerceram uma violenta repressão sobre a população de Lisboa que acorrera em massa para acolher Delgado.

Com o consentimento de Salazar, o Ministro da Defesa Nacional, general Fernando dos Santos Costa, uma das principais figuras da ala mais direitista do Estado Novo, tinha chamado a si a manutenção da ordem pública e o controlo das forças policiais, ultrapassando o próprio Ministro do Interior, Joaquim Trigo de Negreiros. É aqui que começa a versão contrafactual da História.

 

A tragédia de Lisboa

Pouco antes de chegar à estação de Santa Apolónia, o comboio “Foguete”, onde se deslocava Humberto Delgado e a sua comitiva, é mandado parar por um contingente da GNR, de acordo com as ordens do Ministro da Defesa Nacional, De uma forma brutal, Humberto Delgado, a sua família e os membros da sua comitiva foram detidos e encarcerados na prisão de Caxias.

Claramente descontrolado, Santos Costa determinou que as forças da Guarda Nacional Republicana, da PIDE e da Legião Portuguesa que abrissem fogo diretamente contra a população de Lisboa que se manifestava pacificamente. O resultado foi um verdadeiro massacre. O resultado da tragédia foi 47 mortos e quatro centenas de feridos, muitos deles em estado grave.

Ao ter conhecimento do massacre, o Presidente da República, general Craveiro Lopes, cujas desavenças com Salazar eram já conhecidas, ao ponto de ter sido preterido como candidato presidencial da União Nacional a favor do quase desconhecido contra-almirante Américo Tomás, exigiu ao velho ditador a libertação de Delgado, a demissão imediata de Santos Costa, a abertura de um inquérito judicial independente aos trágicos incidentes e garantias de um processo eleitoral justo e transparente.

Simultaneamente, contactou secretamente com o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, General Jorge Botelho Moniz, sobre a lealdade das Forças Armadas no caso de destituir Salazar.

As notícias do massacre de Lisboa foram rapidamente noticiadas pelos meios de comunicação a nível mundial. A censura salazarista não conseguiu vencer a globalização da comunicação. A condenação internacional foi unânime, incluindo nos países aliados membros da Aliança Atlântica.

No dia 19 de maio, por iniciativa de Salazar e Santos Costa, teve lugar uma reunião dos altos comandos militares e das forças e serviços de segurança, no Conselho Superior de Defesa Nacional. A reunião englobou os comandantes gerais da PSP e da GNR, o diretor-geral da PIDE, o comandante-geral da Legião Portuguesa e duas dezenas de altas patentes militares, desde os ministros e subsecretários de Estado ligados às pastas militares até aos chefes do Estado-Maior e comandantes das regiões militares.

A reunião foi uma clara demostração de força, sobretudo numa altura em que as repercussões nacionais e internacionais da tragédia de Lisboa eram cada vez mais evidentes.

Na reunião, Salazar e Santos Costa deixaram claro que o combate ao denominado inimigo interno – isto é, a defesa da situação política vigente – era matéria da responsabilidade das Forças Armadas, apesar das objeções de Botelho Moniz e de alguns comandos militares.

Entretanto, o ambiente nas Forças Armadas tinha-se tornado verdadeiramente explosivo. Os principais fatores foram o crescente autoritarismo de Santos Costa, as suas posições cada vez mais radicais sobre o apoio de todas as forças armadas ao contra-almirante Américo Tomás o enxovalho sistemático de Craveiro Lopes, a detenção arbitrária de Humberto Delgado, um dos generais portugueses internacionalmente mais prestigiados, o recurso ao Exército para a repressão das manifestações de rua e as repercussões internacionais dos acontecimentos trágicos de Lisboa. Se até então tinha sido possível aos militares lavarem as mãos em relação à atuação cada vez mais repressiva das forças policiais, a tragédia de 16 de maio foi um ponto de viragem dramático. Os militares foram forçados por Salazar e Santos Costa a envolver-se no processo político. De um momento para o outro, passaram a ser cúmplices de uma situação que repugnava á essência da identidade militar, que era adversa à violência interna, sobretudo quando era exercida contra concidadãos pacíficos e desarmados.

Com a aprovação de Craveiro Lopes, Botelho Moniz deu ordens para lançar a Operação Prometeu, assim denominado em homenagem ao herói da mitologia grega, mais conhecido como o benfeitor que trouxe o fogo divino para a humanidade.

Aparentemente, estava a cumprir as ordens de Santos Costa sobre o papel das forças armadas na promoção da segurança interna, mas na verdade estava a posicionar as unidades militares em locais estratégicos do país para lançar o golpe para afastar Salazar, que estava politicamente cada vez mais isolado. No Governo, Marcello Caetano e Joaquim Trigo de Negreiros pediram a exoneração dos cargos de Ministros da Presidência e do Interior, respetivamente.

Foi decidido marcar o golpe para o dia 28 de maio, tendo em conta o seu caráter profundamente simbólico para as forças armadas.

 

Um 28 de maio diferente

Na noite do dia 27 de maio, Craveiro Lopes deslocou-se secretamente para o Estado-Maior da Força Aérea, em Monsanto, a base operacional do golpe de estado.

Na madrugada de dia 28 de maio, forças militares assumiram o controlo dos principais pontos estratégicos de Lisboa e do país.

Através da rádio e da televisão, o Presidente da República, Craveiro Lopes, anunciou a destituição de Salazar e do seu Governo, a nomeação de um Governo de salvação nacional presidido pelo general Jorge Botelho Moniz e o cumprimento da Constituição de 1933, nomeadamente do célebre artigo 8.º, tantas vezes ignorado e desprezado, que garantia a todos os cidadãos portugueses os direitos fundamentais. Também apelou à reconciliação nacional.

Ao longo do dia, tornou-se evidente que a generalidade das Forças Armadas estava do lado do movimento, ou pelo menos, numa posição de neutralidade.

Após momentos de grande tensão e negociações delicadas, Salazar, cercado na sua residência do Palácio de São Bento, rendeu-se na madrugada do dia 29 de maio.

No centro de Lisboa, milhares de pessoas vitoriaram os militares, o que foi replicado por diversas manifestações de júbilo a nível nacional

 

Pacificar a vida política

No dia 31 de maio, Jorge Botelho Moniz tomou posse como novo Presidente do Conselho de Ministros. Foi formado um novo Governo por militares e personalidades civis ligadas à ala reformista do Estado Novo ou independentes.

As primeiras medidas do Governo foram a libertação de Humberto Delgado e dos seus apoiantes detidos e o exílio de Salazar para a Suíça.

O novo Governo tomou um conjunto de medidas direcionadas para a normalização da vida política nacional, nomeadamente a limitação drástica dos poderes da PIDE, a redução do período de prisão preventiva, a reforma da legislação relativa aos crimes políticos e às medidas de segurança, a supressão da censura prévia aos meios de comunicação social e o adiamento das eleições presidenciais para o dia 22 de junho.

De um modo geral, a reação da sociedade portuguesa foi de satisfação pelo golpe.de estado. De fora, ficaram somente os salazaristas de velha guarda e a esquerda mais radical. A própria União Nacional mostrou-se dividida entre os que atacaram o golpe militar e os que o consideravam uma espécie de mal menor, como foram os casos de Marcello Caetano, e de Albino dos Reis, o influente presidente da Assembleia Nacional.

Entretanto, o candidato presidencial do Movimento Nacional Democrático, movimento unitário ligado ao ilegalizado Partido Comunista Português, Arlindo Vicente, anunciou a sua desistência a favor de Delgado.

Humberto Delgado, apelou publicamente à “pacificação da grande família portuguesa” e à “reconciliação genuinamente patriótica entre todos os portugueses de boa vontade”.

Humberto Delgado preconizava uma transição suave, pacífica e ordeira para a democracia, uma transição na qual não houvesse vinganças, retaliações e ódios fratricidas: “Na via de concórdia que ambicionamos, não haverá lugar para vencidos nem vencedores, mas sim para um povo humilde e livre”.

No dia 22 de junho, realizaram-se as aguardadas eleições. Humberto Delgado obteve um resultado triunfante. 62% dos eleitores votaram no General Sem Medo, enquanto Américo Tomás ficou-se pelos 36,5% dos votos.

 

O processo reformista em curso

A transição do Estado Novo para a democracia exigia o apoio da generalidade das Forças Armadas, de modo a evitar a interferência dos setores mais conservadores, muito influentes no aparelho político, administrativo e militar, e que a oposição controlasse os seus partidários, para evitar qualquer provocação. Foi nesta direção que se enquadrou a atuação política de Humberto Delgado.

Perante o processo de transição, existiam três posições manifestamente diferenciadas:

– Os elementos dos setores mais conservadores e direitistas do Estado Novo, defensores da sua continuidade. Apesar do seu limitado apoio social, tinham uma forte influência prominência nas instituições políticas, nomeadamente a Assembleia Nacional, e nas forças e serviços de segurança. Tinham uma influência minoritária, mas significativa, nalguns setores das Forças Armadas.

– A oposição democrática, agrupada no Diretório Democrático Social e no Movimento Nacional Democrático. Apesar das suas diferenças ideológicas, defendiam na sua grande maioria a rutura com o regime do Estado Novo para passar diretamente a um regime democrático.

– Os que defendiam uma reforma política mediante as disposições da Constituição de 1933 para assim chegar progressivamente deste modo à democracia, evitando vazios legais. Era a posição defendida pelo próprio Delgado, por uma grande parte do Diretório Democrático Social, pelos reformistas do Estado Novo e pelos oficiais que tinham encabeçado o movimento militar.

Após ter sido eleito como Presidente da República, o primeiro ato político de Humberto Delgado foi reiterar a confiança em Botelho Moniz, que se manteve à frente do Governo.

De modo a assegurar o respeito formal pela Constituição de 1933 e o enquadramento das reformas políticas, Humberto Delgado propôs que a Assembleia Nacional votasse uma Lei para a Reforma Política, cujo projeto foi articulado com Botelho Moniz, Albino dos Reis, o presidente reformista da Assembleia Nacional, e Mário de Azevedo Gomes, líder do Diretório Democrático Social.

O próprio titulo da iniciativa legislativa significava que que a legitimidade da transformação política do país não competia ao presente Parlamento que o possibilitaria ao aprovar a lei, mas sim a um novo Parlamento pluralista e dotado de poderes constituintes, eleito democraticamente por sufrágio universal e direto.

Aprovada em 28 de setembro, a lei foi promulgada simbolicamente no dia 5 de outubro, assinalando as comemorações da implantação da República,

Sob o impulso de Delgado, foram aprovadas medidas políticas e legislativas para assegurar a salvaguarda das liberdades fundamentais, nomeadamente as de expressão, de reunião e de associação. Foram progressivamente libertados os presos políticos e os funcionários públicos demitidos por motivos políticos foram readmitidos. Os tribunais plenários, que tinham como missão o julgamento de crimes políticos, foram extintos. Foi publicada legislação eleitoral que previa o sufrágio universal e o pluralismo político. A liberdade sindical foi reconhecida, bem como o direito à greve. A Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa foram extintas. Em substituição da PIDE, foi criado um novo serviço de informações ligado à promoção da segurança interna e externa, mas com poderes estritamente limitados pela lei.

Uma das áreas em que se constatou mais a ação transformadora de Humberto Delgado foi no plano ultramarino.

Com efeito, foi promovido um vasto conjunto de reformas políticas e administrativas, realizadas pelo Ministro Adriano Moreira, no sentido de assegurar o reconhecimento universal dos direitos de cidadania, por um lado, e por outro, da descentralização administrativa.

Neste sentido, foi revogado o Estatuto do Indigenato, passando todos os habitantes dos territórios africanos a serem cidadãos. Além disso, foi publicado nova legislação que proibiu qualquer forma de trabalho obrigatório, até então parcialmente tolerado e amplamente praticado, e outras formas de exploração laboral. Uma decisão fundamental que foi tomada foi a aplicação da nova legislação sobre o exercício das liberdades fundamentais ao Ultramar, criando condições para uma liberalização da vida política e social. Foi reconhecida a livre circulação de todos os cidadãos em qualquer parte do território nacional e foi suprimido o respetivo controlo policial e administrativo.

A nível da organização política, os Conselhos Legislativos passaram a ser Assembleias Legislativas, as quais deveriam ser eleitas por sufrágio direto e foi decidida a descentralização de competências do Governo central para os órgãos governativos dos territórios.

No plano económico, foi liberalizada a circulação de bens e serviços, regulada no âmbito do sistema de pagamentos interterritoriais. Foram também criados incentivos à implantação de indústrias e ao investimento estrangeiro e foi reforçado o investimento público em infraestruturas conducentes ao desenvolvimento dos territórios.

Uma medida estruturante de Humberto Delgado foi a designação dos novos Governadores para os territórios ultramarinos. Entre eles, mereceram destaque: o general Venâncio Deslandes (Angola), almirante Manuel Sarmento Rodrigues (Moçambique), o general Vassalo e Silva (Índia). e o general António de Spínola (Guiné). Todos tinham como caraterísticas comuns serem militares e partidários do processo de reforma política em curso, bem como da autonomia progressiva dos territórios ultramarinos.

Todos eles empreenderam políticas que apostavam fortemente no desenvolvimento e na modernização dos territórios nas mais diversas áreas.

Além disso, procuraram envolver as emergentes sociedades civis no processo de decisão política bem como uma política de aproximação política e social com as diversas correntes de opinião, incluindo os movimentos independentistas.

Em abril de 1959, Humberto Delgado visitou todos os territórios ultramarinos, numa jornada que durou um mês, na qual foi recebido de forma entusiástica e efusiva pelas populações autóctones. No dia 10 de junho, nas comemorações do Dia de Portugal, Humberto Delgado dedicou a sua intervenção à questão ultramarina.

Criticando a política ultramarina do Estado Novo, enalteceu as reformas adotadas pelo seu Governo, que visavam simultaneamente acarinhar o legado histórico da presença lusa em África e na Ásia, promover a igualdade de direitos civis, políticos e sociais das populações e promover a autonomia progressiva dos territórios ultramarinos.

Tendo isso em consideração, Humberto Delgado fez um anúncio que provocou espanto geral. Delgado já tinha mencionado por diversas vezes que pretendia contribuir para a implantação de uma Terceira República. Uma Nova República de cariz democrático e social, contrapondo à Primeira República liberal e à Segunda República autoritária e corporativa.

Propôs assim que a nova República fosse também federal, ou seja, a República Federal dos Estados Unidos de Portugal, baseada na autonomia política, administrativa e financeira dos Estados federados, cada um com constituições próprias e instituições políticas autóctones.

 

Um Parlamento democraticamente eleito

Aquando da promulgação da Lei da Reforma Política, Humberto Delgado tinha anunciado a realização das eleições para a Assembleia Nacional no prazo entre nove a dezoito meses. Conhecedor profundo da realidade portuguesa, refletiu: “Eu pergunto a alguém se tem qualquer ideia de como é que um país infantil do ponto de vista democrático, sem partidos organizados, completamente amorfo, louco, sedento de liberdade, se pensa que poucos meses se podem fazer eleições gerais?”,

Ao longo de primeiro semestre de 1959, foram legalizados diversos partidos políticos. Os partidos ou organizações mais importantes eram os seguintes:

– Considerada de extrema-direita, a Liga Nacional 28 de maio;

– Considerada de direita, a União Nacional, liderada por Marcello Caetano, que passou a ser Ação Nacional Popular e adotou um modelo ideológico relativamente inspirado no Partido Conservador britânico;

– Considerada de centro, a Aliança Democrática, liderada por Mário de Azevedo Gomes, que aglutinava um conjunto heterogêneo conjunto de grupos moderados de direita e esquerda de ideologia diversa (democratas-cristãos, liberais e social-democratas) e uma parte significativa de reformistas do Estado Novo, e que tinha a clara simpatia de Delgado;

– Considerada de esquerda, a Ação Socialista Portuguesa, encabeçada por Mário Soares.

A legalização do Partido Comunista Português não foi uma tarefa fácil. O Governo tinha determinado a libertação de todos os presos políticos comunistas, incluindo Álvaro Cunhal, e estabelecido contactos com a liderança de Júlio Fogaça. Após negociações que envolveram as principais esferas políticas e militares do país, foi decidida a legalização do Partido Comunista Português, que aceitou como contrapartida a via pacífica e reformista para a transformação política da sociedade portuguesa. A decisão foi anunciada publicamente em 24 de junho, o dia de São João, que foi denominado de forma jocosa como “São João vermelho”.

Paralelamente, também foram legalizadas formações político-partidárias nos territórios ultramarinos, que propunham soluções politicas diversas, desde o integracionismo colonial à independência negra, passando pelo federalismo e pela independência branca.

Entretanto, apesar do sucesso da ação do Governo, Botelho Moniz não conseguiu evitar um certo desgaste. Um número crescente de setores políticos e sociais reivindicavam um civil à frente do Governo.

As eleições parlamentares de 5 de outubro de 1959 deram uma vitória expressiva à Aliança Democrática, com 47,59% dos votos, seguida da Ação Nacional Popular, da Ação Socialista Portuguesa e da Frente Povo Unido, uma coligação encabeçada pelo Partido Comunista Português. Contrariamente às expetativas, a Liga Nacional 28 de maio teve uma votação inexpressiva.

Nos territórios ultramarinos, destacou-se o forte apoio local às forças políticas que defendiam a construção de sociedades multirraciais e a autonomia progressiva, com desenvolvimentos federalistas ou inclusive independentistas de forma moderada, superando as que defendiam o integracionismo e o separatismo branco ou negro.

Na sequência dos resultados eleitorais, Humberto Delgado convidou Mário de Azevedo Gomes a liderar o Governo, permanecendo Botelho Moniz como Vice-Presidente do Conselho de Ministros e titular da poderosa pasta da Defesa.

O novo Governo promoveu o desenvolvimento de instituições autónomas nos principais territórios ultramarinos. Foi um elo fundamental da estrutura federal que tinha sido preconizada por Delgado e estava a ser consagrada na nova Constituição em elaboração.

Em 2 de abril de 1960, a Assembleia Nacional aprovou finalmente a nova Constituição da República dos Estados Unidos de Portugal, tendo sido submetido a referendo no dia 1 de maio, tendo sido ratificada por 92% dos eleitores.

A Constituição foi promulgada pelo Presidente da República em 9 de julho e publicada no dia 10 de junho, Dia de Portugal.

A Constituição de 1960 consagrou Portugal como uma democracia pluralista, social e federal e estabeleceu o semipresidencialismo como sistema de governo.

A nova federação compreendia Estados e regiões autónomas. Os Estados eram: Portugal, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Goa (a nova designação da Índia Portuguesa) e Timor, E as regiões autónomas eram: Açores, Madeira, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Macau.

 

O novo lugar de Portugal no mundo

Sob o impulso de Humberto Delgado, o posicionamento internacional de Portugal teve uma profunda mutação.

Valorizou a identidade de Portugal como pais ao mesmo tempo europeu, atlântico e pluricontinental. Neste contexto, a adesão ao Conselho da Europa, a aproximação às Comunidades Europeias e a consolidação da participação na Aliança Atlântica foram vetores privilegiados da política externa portuguesa, que assumiu um cariz cada vez mais independente, proactivo e multifacetado.

Estabeleceram-se relações diplomáticas com os países do Leste europeu e do denominado Terceiro Mundo. As relações com a Índia foram normalizadas, através da negociação de um estatuto de ampla autonomia para o Estado de Goa, com uma espécie de soberania compartilhada entre Portugal e a União Indiana. Portugal reconheceu a República Popular da China, com a qual negociou um novo estatuto de autonomia para Macau.

A nível da lusofonia, foi negociado com o Brasil um novo Tratado de Amizade e Cooperação, que formalizou a Comunidade Lusíada entre ambos os países, reforçou a cooperação bilateral em diversos domínios e reconheceu a denominada cidadania lusófona, enquanto instrumento jurídico de reconhecimento a todos os cidadãos de vários direitos no espaço lusófono.

A abertura internacional de Portugal colocou-o numa teia crescente de relações de intercâmbio e de cooperação sem precedentes no seu percurso histórico, criando condições para a afirmação da sua vocação universalista.

 

A mutação económica e social

A liderança presidencial de Humberto Delgado fez parte do período de mais rápido crescimento da economia portuguesa em toda a sua história. Foi nessa altura que se inverteu, de forma duradoura, a trajetória de divergência relativamente às economias mais desenvolvidas do Ocidente.

Com efeito, o crescimento económico fez-se a taxas consistentemente elevadas. O processo já começara no início da década de 1950, mas depois acelerou no final da década e na década de 1960, falando-se inclusive no “milagre económico português”. Estes anos podem ser vistos como a versão portuguesa daquilo que nos países anglo-saxónicos se chamou a “Golden Age” do crescimento económico do pós-guerra.

Os principais fatores do acelerado crescimento económico foi a inserção proativa nos mercados internacionais, a prossecução de uma política de fomento industrial, com a liberalização dos regimes do condicionamento industrial e das barreiras aduaneiras, a existência de uma população relativamente jovem e em forte crescimento, o aumento da produtividade, proporcionado pela aposta na qualificação da população, e a abundância de matérias-primas energéticas, nomeadamente resultado da exploração do petróleo em Angola, São Tomé e Príncipe e Timor.

A rentabilidade das empresas e os rendimentos do capital aumentaram, mas os salários também. Como resultado, os padrões de vida de largas camadas da população elevaram-se significativamente.

Além disso, foi dado um forte impulso à implantação de um verdadeiro Estado-Providência. Com efeito, foi durante este período que se montaram, de forma consistente, sistemas públicos de saúde e de segurança social, para além da grande expansão do sistema educativo.

O nível de recursos que passou a ser apropriado pelos poderes públicos teve, consequentemente, uma enorme expansão. A isto acresceu a adoção de políticas macroeconómicas, muito inspiradas pelo pensamento keynesiano, contribuindo para acelerar o desenvolvimento económico e social.

Deste modo, o novo Portugal consolidou novas vias no âmbito de uma ordem sociopolítica baseada nos valores da liberdade, da democracia e da justiça social.

 

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Categorias: Cultura

Acerca do Autor

Daniel Faria

Nasceu em 1975, em Vila Nova de Famalicão. Licenciado em Sociologia das Organizações pela Universidade do Minho e pós-graduado em Sociologia da Cultura e dos Estilos de Vida pela mesma Instituição. É diplomado pelo Curso Teológico-Pastoral da Universidade Católica Portuguesa. Em 1998 e 1999, trabalhou no Centro Regional da Segurança Social do Norte. Desde 2000, é Técnico Superior no Município de Vila Nova de Famalicão. Valoriza as ciências sociais e humanas e a espiritualidade como meios de aprofundar o (auto)conhecimento, em sintonia com a Natureza e o Universo. Dedica-se a causas de voluntariado. É autor do blogue pracadasideias.blogspot.com e da página Espiritualidade e Liberdade.

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