‘Saberemos propor e realizar uma educação ética, com intencionalidade, responsabilidade e participação de todos e para todos, para além dos rótulos, dos diagnósticos e das dificuldades que fazem parte do processo de nos tornarmos sujeitos?’
Como educar um autista? Contribuições da psicanálise à educação

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O transtorno do espectro autista (TEA) ou autismo é descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais – DSM-5 – como um transtorno de desenvolvimento caracterizado por três sinais e sintomas específicos: dificuldades de interação social, problemas de comunicação e comportamentos repetitivos e restritos e é um desafio, muitas vezes desgastante, às famílias e às escolas que têm que dar respostas aos cuidados, bem-estar e à educação das crianças. Atualmente, temos investigadores que afirmam se tratar de um problema genético e, portanto, irreversível.
As investigações científicas e as práticas psicanalítica e pedagógica têm nos ensinado a desconfiar de uma predeterminação genética, reducionista e também de uma educação cuja metodologia ofereça receitas prontas e homogêneas, igualando a todos, “corrigindo” e excluindo aqueles que não estão dentro de um certo padrão estabelecido pelas teorias científicas que levam em conta apenas o estatuto biológico.
Vocês já observaram que as crianças “autistas” não são iguais em seus tempos e modos ao se desenvolverem, assim como todos os seres humanos também não o são? Nesse caso, se a questão é biológica, não deveriam ser todos os “autistas” iguais? No entanto, não são.
As estatísticas demonstram o elevado número de crianças e jovens com os mais diversos diagnósticos que estão excluídas na escola, na sociedade e nos comprovam que é preciso repensar a educação que temos e a educação (leia-se sociedade) que queremos, a partir de uma ética das singularidades, na qual a diferença deixe de ser olhada somente como “deficiência”. Isso não significa
dizer que não haja as dificuldades de aprendizagem, as dificuldades motoras e sensoriais, por exemplo. No entanto, é preciso nos perguntarmos sobre essas dificuldades enquanto construtos sociais, que apontam para a necessidade de espaços acessíveis e políticas públicas que garantam o direito de todos à educação de qualidade, e não só.
Podemos ainda questionar: a denominada “deficiência” se define a partir de quais parâmetros? As “deficiências” são estáticas ou mudam de acordo com a sociedade e o discurso social e científico de cada época? Essas são algumas questões provocativas que nos levam a pensar para, juntos, desnaturalizar os rótulos e os diagnósticos instituídos – já que a história da humanidade nos mostra que as coisas nem sempre foram assim – e desconstruir algumas práticas educacionais cujos paradigmas estão pautados na ideia de uma criança incapaz, impotente e que nada tem a nos dizer e a nos ensinar sobre si e sobre a educação que lhes oferecemos.
Mas, o que fazer com as crianças muito diferentes das outras e que não sabemos como educar? E, afinal, como educar um “autista”?
A essa pergunta eu não sei responder. Eu não educo “autista”, mas sim crianças com diferentes modos de ser e estar no mundo. Um dos caminhos que tenho percorrido, e não é o único, é escutar as crianças, como sujeitos desse processo. Também aprendi que é possível escutar as famílias, a escola e a sociedade para construir um outro tipo de resposta, uma outra saída que não seja pela exclusão ou pela patologização das diferenças e das singularidades que nos desafiam em nosso fazer educacional e nos convocam a aprender, mais do que ensinar!
Nesse sentido, a Psicanálise, cujo objetivo é escutar os sujeitos, pode ser uma aliada da Educação, na construção de um projeto de sociedade inclusiva. A criança diagnosticada com espectro autista, que já foi considerada incapaz de ser inserida na sociedade com autonomia e já viveu escondida e asilada, foi desasilada pela escuta (multidisciplinar) psicanalítica. Para a Psicanálise há ali um sujeito, antes do diagnóstico, que tem algo a dizer (mesmo que não consiga falar) sobre o seu mal-estar, sobre a sua dificuldade em aprender a dar e receber afetos (prazer e desprazer; trânsito lidibinal), sobre a sua dor e sofrimento, sobre o viver em sociedade. Cada sujeito é único, assim como cada dor existencial também o é… e as pessoas com diagnóstico de transtorno do espectro autista também!
Por sermos singulares, criativos e incompletos, a educação é uma missão impossível, como afirmou Freud, o pai da psicanálise. Impossível quando determinada pela biologia e pelas normas que ditam como se deve ser e fazer, a priori, para ser considerado um bom aluno, um bom filho, um bom profissional, por exemplo, na qual a diferença, a novidade e a criação não têm lugar… Mas há a possibilidade de uma outra educação, uma educação para o belo, que se dá a ver a posteriori, como uma obra de arte, pautada na ética da diferença, na novidade e na criação de outras formas de viver e de conviver.
A pergunta que se impõe é: saberemos propor e realizar uma educação ética, com intencionalidade, responsabilidade e participação de todos e para todos, para além dos rótulos, dos diagnósticos e das dificuldades que fazem parte do processo de nos tornarmos sujeitos?
Para alguns, a resposta é sim!! Para muitos, a resposta é talvez, “mas isso sempre foi assim e é difícil mudar”… Para outros, a resposta é não…
Aprenderemos a buscar caminhos e aprender com as crianças? Falar com elas e não só por elas?
A sua resposta enquanto cidadão educador/ educadora, seja na família ou na escola, qual será?
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