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O Reino Unido coordenou a primeira cimeira do G8 (2013) na luta contra a demência a nivel Mundial. Esta patologia foi considerada uma epidemia a nível mundial, afetando familias, cuidadores e sistemas de saúde.
Em Portugal, 153 000 pessoas padecem desta patologia, das quais 95 000 tem doenca de Alzheimer. Ou seja, cerca de 1% do total da população nacional sofre desta patologia.
Mas será que todas as perdas de memória são indicativas de um processo neurodegenerativo? Toda esta informação, que hoje nos chega por vezes de forma distorcida ou pouco esclarecedora, é geradora de medo e pânico, colocando a geração dos 50 anos num estado de alerta e busca por soluções terapêuticas, na esperança mágica de lhes devolver a memória dos 20 anos.
No entanto, quando se é mais idoso, parece-me que essa preocupação se desvanece. A nossa sociedade aceita sem questionar, que idosos podem ter falhas de memória, mesmo que graves. Mesmo que essas falhas condicionem a autonomia e independência dos mais velhos, pois nas idades mais avançadas, tudo é normal. Afinal de contas, o que se pode esperar das pessoas de idade avançada? Tudo é normal.
Mas o que é a memória? É portanto uma complexa função mental que possibilita ao organismo o registo e a conservação de informações advindas das experiências vividas, assim como o seu resgate a qualquer momento. Por esta razão, a manutenção da memória torna-se uma preocupação de alta prioridade para os estudiosos, pois está diretamente relacionada com todas as atividades do quotidiano, ajudando a pessoa a manter a sua autonomia e independência. (Lasca, 2003).
As queixas de memória são frequentes com a idade. No entanto, estudos reconhecem uma forte associação com fatores psico-afetivos, tipo de personalidade, sintomatologia ansiosa e depressiva, associada à vulnerabilidade psicológica. Na maioria das pessoas os défices mnésicos estão apenas associados a défices atencionais/de codificação, provocados na maior parte das vezes, por estados de stress e ansiedade a que estamos expostos nos dias de hoje.
Mas o que realmente acontece num processo de envelhecimento normal, nada mais é que uma menor eficácia no estabelecimento de novas estratégias de pensamento, o aumento do tempo e a dificuldade de aprendizagem de conteúdos novos, uma maior dificuldade em realizar mais do que uma tarefa ao mesmo tempo, mais tempo para evocar a informação memorizada a curto prazo e maior lentificação no processamento da informação (aumento do tempo de reação). Estas alterações estão mais visíveis a partir dos 50 anos, mas em nada interferem nas atividades de vida diária.
Importa ressalvar que não existe um padrão de declinio geral, normativo e universal. Existe uma grande variabilidade individual. Alguns idosos mostram um declinio maior comparativamente com jovens, enquanto outros, estas diferenças são minimas ou inexistentes.
Estudos comprovam que os efeitos geracionais são superiores aos efeitos da idade e algumas funções cognitivas são mais suscetíveis do que outras aos efeitos do envelhecimento.
Existem capacidades que se mantêm estáveis e até se aprimoram (linguagem, inteligência pragmática). Existem mecanismos compensatórios que podem amenizar a expressão de algumas funções declinantes. E felizmente a plasticidade cognitiva possibilita, através de treino, a melhoria do desempenho em funções classicamente declinantes.
Idosos, em condições contextuais ótimas, podem ter um desempenho semelhante aos adultos jovens. O facto de ser frequente a observação de mau desempenho não nos permite concluir que seja próprio do envelhecimento. Jamais disfunção cognitiva significativa pode ser justificada pelas mudanças associadas ao envelhecimento normal.
Há sim, um conjunto de fatores que interferem negativamente no nosso envelhecimento cognitivo, podendo evoluir para um processo neurodegenerativo, mas que podem pois, ser reversíveis, muitas das vezes com mudanças no nosso estilo de vida, como por exemplo, a diabetes, hipertensão arterial, doença vascular, dislipidemia, uso de benzodiazepinas por longos períodos de tempo, tabaco, álcool e drogas, relacionamento familiar desfavorável, interação social restrita, baixa escolaridade, depressão ou outro desequilíbrio emocional como níveis elevados de ansiedade, perfil psicológico desfavorável, como rigidez de ideias e atitudes, insegurança, medos, timidez, baixa autoestima, fraca percepção de controle, etc.
Enquanto profissional de saúde, sinto que tenho um papel importante na educação dos meus pacientes e dos seus familiares acerca do envelhecimento cognitivo e na implementação de intervenções que visem otimizar a saúde cognitiva através do ciclo da vida. A importância da prática diária de exercício físico é crucial para determos de uma boa condição física e mental, termos a presença de um sentido existencial, uma alimentação saudável, variada e equilibrada, uma boa hidratação, intervenções cognitivas como a leitura e a aprendizagem de algo novo, o respeito pelos momentos de repouso e sono reparador e um bom engajamento social são bons hábitos que irão tornar este processo de envelhecer, tão desafiante para muitos, numa fase prazerosa e geradora de bem estar, tendo sempre presente que “Envelhecer ainda é a única maneira que se descobriu de viver muito tempo” (Charles Saint-Beuve).
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Imagem de destaque: Em que pensava eu? (Imagem: Catarina Ribeiro; desenho).
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