Partidos e Grupos Políticos Republicanos na I República

Partidos e Grupos Políticos Republicanos na I República

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Ernesto Castro Leal, historiador de referência entre os investigadores e estudiosos do Século XX português, esteve presente nos Encontros de Outono 2017, promovidos pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão através do Museu Bernardino Machado. Entre outros, é investigador da Rede Internacional NETCOR e do Centro de História da Universidade de Lisboa e, nesta última qualidade, coordenador, desde 2009,  dos Seminários anuais de História e Cultura Política. Homem sagaz, de pensamento expedito e profundamente culto, tem publicado uma série de artigos científicos e livros de referência sobre o período em causa, nomeadamente Nação e Nacionalismos. A Cruzada Nacional – D. Nuno Álvares Pereira e as Origens do Estado Novo e António Ferro. Espaço Político e Imaginário Social, Partidos e Programas. O campo partidário republicano português (1910-1926) e ainda a biografia António Granjo. República e Liberdade (em co-autoria).

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Os vários partidos e grupos políticos republicanos portugueses configuraram múltiplas identidades políticas, sem apresentarem uma diferenciação intensa, dado que se inscreviam no diversificado património doutrinário do republicanismo histórico.

Durante a terceira fase da I República Portuguesa (1919-1926), desenvolveu-se a instabilidade dentro dos partidos políticos republicanos constitucionais, com dissidências, cisões e fusões.

[Permaneceu] em Portugal, nos anos 10 e 20 do século XX, um sistema social e um sistema político muito condicionado por uma extensa malha de redes de relações oligárquicas, hierárquicas e clientelares, visto serem ainda características de base das sociedades mediterrânicas do Sul da Europa.

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1. Introdução

Pretende-se neste texto apresentar, em linhas gerais, a evolução dos diversos partidos e grupos políticos republicanos portugueses (1910-1926), através de uma visão da história política (Rémond, dir., 1996). A sua construção está numa fase inicial de análise (estudos monográficos) e de síntese (estudos panorâmicos), finda a qual se pode avançar para uma perspectiva comparada sobre a relação entre partidos, poderes e opinião pública, onde se abordaria as características da liderança partidária, as formas de dominação dos dirigentes, a comunicação entre a liderança e os aderentes ou as tendências oligárquicas e democráticas da organização.

Os vários partidos e grupos políticos republicanos portugueses configuraram múltiplas identidades políticas (Leal, 2008), sem apresentarem uma diferenciação intensa, dado que se inscreviam no diversificado património doutrinário do republicanismo histórico, atravessado, no entanto, por permanentes debates em torno de conteúdos relevantes – positivismo e metafísica, federalismo e unitarismo, presidencialismo e parlamentarismo, descentralização e centralização, soberania popular e soberania nacional ou radicalismo e reformismo (Catroga, 2000; Homem, 2001). Permaneceu, no entanto, um ideal comum em torno da republicanização do Estado e da republicanização da sociedade.

O sistema partidário republicano português não evidenciou totalmente os partidos políticos nas suas duas funções de base, quer como “agentes de conflito” mobilizador, quer como “instrumentos de integração” social, o que permitiria “reforçar as identidades nacionais” através de uma “rede de canais de comunicação interlocais” e ajudar a “estabelecer o sistema nacional de governo acima de qualquer conjunto de detentores de cargos” (Lipset, 1992: 164-170).

Uma das razões que impediu a competição política estável e a construção de um Estado Nacional consensualizado foi o excessivo fraccionismo intrapartidário, devedor mais de redes oligárquico-clientelistas de patrocinato do que de matrizes ideológicas concorrenciais, apesar de existirem expressões doutrinárias diversas na cultura política republicana. Circunstância que não propiciou a estabilidade de um regime representativo de instituições e que foi agravado a partir de 1919, provocando a sua irreversível deslegitimação (Lopes, 1994; Valente, 1997, 1999; Martins, 1998: 69-98; Ramos, 2014: 185-246).

 

2. Desestruturação do Partido Republicano Português (“histórico”)

O debate realizado na Assembleia Nacional Constituinte (Junho/Agosto-1911) mostrou a diversidade ideológica republicana, apesar do Programa (11-01-1891) do Partido Republicano Português, ainda em vigor em 1910-1911, estipular a orientação de uma república federal, descentralista (municípios e províncias) e solidarista, legitimada no sufrágio universal directo, sem referência a um Presidente da República, cujo paradigma político-institucional era o da Confederação Helvética. A Constituição Política da República Portuguesa de 1911 veio consagrar pelo contrário uma república unitária, o sistema parlamentar com supremacia do Congresso da República (Câmara dos Deputados e Senado), onde se elegia o Presidente da República, que não tinha o direito de dissolução parlamentar, e o sufrágio directo não universal, mantendo a opção descentralista para a administração municipal e colonial, os princípios da democracia política e económica e da laicização do Estado e secularização da sociedade (Catroga, 2000).

A reivindicação do princípio presidencial da dissolução parlamentar, considerado fundamental no sistema de governo parlamentar, vai unir os partidos republicanos demoliberais moderados (Partido Republicano Evolucionista e União Republicana), que veriam a sua consagração na Lei nº 891 (22-09-1919), apesar de limitada pela consulta prévia do Conselho Parlamentar, e serviu também de argumento crítico para os republicanos reformistas ou radicais de matriz federalista: “[…] os constituintes […] esquivaram-se, com menos saber, a adoptar o princípio da dissolução das Câmaras, indispensável a um regime parlamentar, por muito se ter clamado contra a sua aplicação no tempo da monarquia, brindando-nos assim com um gáchis político que a inconsciência dos homens mais havia de agravar ainda” (Santos, 1916: 5).

Devido à revisão ideológica do federalismo patrocinada pelos principais membros do Directório do Partido Republicano Português e aceite pela grande maioria dos deputados constituintes, defensores do “unitarismo republicano-liberal”, a contestação veio a ser protagonizada imediatamente entre 1911 e 1913 por dois grupos políticos republicanos radicais, defensores de um “federalismo republicano-socialista”: Partido Republicano Radical Português e Integridade Republicana (Leal, 2006, 2008: 36-42).

Momento decisivo para a ruptura entre as facções políticas dentro do Partido Republicano Português foi a eleição do primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga (24-08-1911), apoiado pelos grupos políticos de António José de Almeida, de Manuel de Brito Camacho e de António Machado Santos – o Bloco – contra o candidato Bernardino Machado, apoiado pelo grupo político de Afonso Costa – os Democráticos. No dia 1 de Setembro de 1911 constituiu-se o Grupo Parlamentar Democrático, afecto ao grupo político de Afonso Costa e de seguida aprovaram um extenso e bem articulado Projecto de Programa (Setembro, 1911), que seria a base do Programa do novo Partido Republicano Português (Abril, 1912), mantido inalterado até 1926, onde se inscreveu o sufrágio universal, a autonomia política de todas e as cidades ou a defesa intransigente da Lei da Separação do Estado das Igrejas (autoria de Afonso Costa).

A convergência parlamentar do Bloco evoluiu, já sem o apoio do grupo político de António Machado Santos, para uma aliança parlamentar e aprovaram o Programa (Dezembro, 1911) da União Nacional Republicana, que será essencialmente o mesmo Programa da União Republicana (1912), onde se propunha, por exemplo, a revisão de toda a obra legislativa do Governo Provisório, dado ter sido “uma obra revolucionária”, e a mais ampla liberdade de opinião. Por sua vez, a mobilização do republicanismo reformista ou radical foi protagonizada até 27 de Abril de 1913 – altura em que alguns republicanos radicais tentaram fazer um golpe militar e civil para demitir o I Governo de Afonso Costa (nomeado em 9-01-1913) que tinha o apoio da União Republicana – através de três pequenos grupos políticos: Aliança Nacional (1911), de António Machado Santos, Integridade Republicana (1911-1912), de João Bonança, e Partido Republicano Radical Português (1911-1913), de Adrião Castanheira, Luís Soares e Henrique de Sousa Guerra.

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3. Estruturação do sistema de partidos republicanos

Entre Setembro de 1911 e Fevereiro de 1912, lançaram-se as bases dos três primeiros partidos republicanos constitucionais: o Partido Republicano Português (“Partido Democrático”), de Afonso Costa, permaneceu até ao fim do regime republicano; o Partido Republicano Evolucionista, de António José de Almeida, e a União Republicana, de Manuel de Brito Camacho, extintos em Setembro de 1919, originaram o Partido Republicano Liberal. Herdando grande parte das elites políticas, da máquina organizativa e das redes sócio-políticas republicanas históricas e importantes notabilidades e redes sócio-políticas monárquicas, o Partido Republicano Português (“Partido Democrático”) foi o “partido hegemónico” da I República Portuguesa, o mais importante partido de governo (Martins, 1998: 78-80).

A 15 de Fevereiro de 1912, na Câmara dos Deputados, António José de Almeida e Manuel de Brito Camacho reafirmaram que a União Nacional Republicana não representava a fusão dos dois grupos políticos, mas apenas uma aliança parlamentar. António José de Almeida aceitou transitoriamente o referido Programa da União Nacional Republicana, que fora concebido pelo grupo político de Manuel de Brito Camacho. Pouco tempo depois, criou-se o ambiente político para uma nova constituição partidária dentro da área republicana moderada. No dia 24 de Fevereiro, surgiu o Partido Republicano Evolucionista (1912-1919), e a 26 de Fevereiro anunciou-se a União Republicana (1912-1919).

Deve relevar-se algumas novidades no Programa (Agosto, 1913) do Partido Republicano Evolucionista: ampliar o sufrágio, organizar o Senado “com representação dos agrupamentos e interesses nacionais”, conceder ao Presidente da República o direito de dissolução do Congresso da República, “em determinadas condições, como garantia do sistema parlamentar”, ou revisão da Lei da Separação do Estados das Igrejas (não ingerência das Juntas de Paróquia nas tabelas dos actos cultuais e nas nomeações para o culto; liberdade dos padres usarem hábitos talares fora dos templos e das cerimónias cultuais; abolição do beneplácito; ou liberdade às Igrejas para organizar o ensino teológico nos seminários e para nomear os respectivos empregados e professores, mas estes últimos tinha que ser portugueses e terem feito o curso teológico em Portugal).

O então ideário republicano reformista de matriz presidencialista “imperfeita” e organicista na composição do poder legislativo do grupo político de António Machado Santos renasceu nos finais de 1913, através do Centro Reformista (1913-1915). A prisão de Machado Santos durante a revolução de 14 de Maio de 1915, organizada por militares e civis membros do Partido Republicano Português (“Partido Democrático”), por ter apoiado o Governo do General Joaquim Pimenta de Castro (Janeiro/Maio, 1915), e a proibição do seu jornal O Intransigente (13-05-1915), levaram à extinção desse grupo político, mas mantiveram uma rede informal de contactos.

O período da Primeira Guerra Mundial configurou um momento de transformação cultural, ideológica e política em Portugal, onde se inseriu a revista Orpheu, evidenciando uma nova geração modernista, que oscilava entre o nacionalismo e o cosmopolitismo, alguns deles seduzidos pelo presidencialismo como Fernando Pessoa ou António Ferro (Leal, 1994; Cabral, 2000: 181-211). O debate sobre a participação portuguesa na frente europeia da guerra atravessou todo o espaço político, com várias posições fracturantes até à declaração de guerra do Império Alemão a Portugal em Março de 1916 (Fraga, 1990; Teixeira, 1996; Afonso e Gomes, 2010).

Reapareceram então os monárquicos, que tinham sido proibidos após a revolução republicana, constituindo o Integralismo Lusitano (1914), de onde saiu a dissidência da Acção Realista Portuguesa (1923), e o Partido Legitimista (1915), todos de matriz antiliberal, e a Causa Monárquica (1915), de matriz liberal conservadora. Os católicos conservadores criaram o Centro Católico Português (1917) para a intervenção política e eleitoral, ao mesmo tempo que são fundadas duas ligas patrióticas, juntando republicanos e monárquicos, de matriz conservadora – Liga Nacional (1915-1918) e Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira (1918-1938) (Leal, 1999).

A crítica de alguns membros do Partido Republicano Evolucionista à sua convergência com o Partido Republicano Português (“Partido Democrático”) no Governo da “União Sagrada” (15-03-1916/25-04-1917) provocou a criação de uma facção política, sob a direcção de António Egas Moniz, dando origem nos finais de 1917 ao Partido Centrista Republicano (1917-1918), um pequeno partido de quadros, que tinha no seu Programa (Outubro, 1917) a defesa do sistema de governo parlamentar com introdução do princípio da dissolução parlamentar pelo Presidente da República, o reatamento das relações diplomáticas com a Santa Sé e a celebração de uma Concordata da Separação ou a renomeação das colónias em províncias.

A revolução de 5 de Dezembro de 1917, chefiada por Sidónio Pais, abriu uma nova fase na I República Portuguesa, promovendo-se a construção de uma República presidencialista, com representação orgânico-corporativa num dos órgãos do poder legislativo (Senado), denominada de República Nova/Sidonismo. Para a sua legitimação eleitoral, foi consagrado o sufrágio universal masculino de maiores de 21 anos e criado um partido político para organizar as candidaturas governamentais às eleições legislativas (28-04-1918), constituindo-se o Partido Nacional Republicano (1918), que recolheu grande parte dos dirigentes e das estruturas do recente Partido Centrista Republicano e agregou sectores da nova elite política presidencialista (Silva, 2006).

A liderança carismática e populista de Sidónio Pais e a preponderância do poder executivo e da elite governamental substituíram progressivamente a função legitimadora, de criação do consenso político, a função constituinte, de implementação institucional do regime, e a função mobilizadora, de activismo cívico de massas, que deviam pertencer às funções do partido: o governo e a administração pública predominaram em relação à política e ao partido. Sidónio Pais alimentou uma perigosa deriva plebiscitária, messiânica e ditatorial, justificada em teorias da ordem que também eram devedoras do pensamento de Auguste Comte (Cunha, 2006: 359-397).

No fundo, o problema partidário remetia para a indecisão quanto ao sistema político da República Nova presidencialista: sistema limitado de competição partidária (preferência pelo rotativismo de dois blocos partidários), sistema limitado com partido único (admissão de um pluralismo mitigado de índole autoritária) ou sistema fechado de partido único (monopartidarismo de índole totalitária)? Tudo indica que Sidónio Pais e o seu círculo político mais próximo recusavam pelo menos a última hipótese, simulando, por vezes, um cesarismo bonapartista plebiscitário.

Repare-se nesta afirmação de Sidónio Pais (29-07-1918): “Ao contrário do que muita gente julga o Partido Nacional Republicano não é actualmente o único partido do governo. É certo que o Partido Nacional Republicano acompanha o governo na sua política altamente nacional e patriótica. Mas o governo não se apoia nele como não se apoia noutro qualquer pois não dispensa dedicações e apoios de gente de bem e sente que tem de procurar o verdadeiro apoio no sentir e na opinião quase unânime do povo português […]” (Carvalho, 1924: 75-76). Porém, na última versão do Projecto Constitucional (Dezembro, 1918), ainda revista por Sidónio Pais (assassinado em 14-12-1918), consagrava-se um sistema de governo presidencialista democrático e bicameral (câmara política e câmara corporativa) (Silva, 2006, v. 2: 401-413).

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4. Reestruturação do sistema de partidos republicanos

O legado político (presidencialismo e corporativismo) e simbólico (chefia carismática e messiânica) da República Nova ou Sidonismo permaneceu após 1919, incluindo em grupos políticos neosidonistas, uns autoritários conservadores, outros autoritários revolucionários, incorporando-se nos anos 20, dentro do Programa (1922) do Centro do Nacionalismo Lusitano, tópicos ideológicos da direita radical, divulgados no semanário A Ditadura, «periódico do fascismo português» (20-10-1923): Partido Republicano Conservador (1919-1920), Centro Republicano Dr. Sidónio Pais (1920-1926), Juventude Republicana Sidonista (1920-1921), Partido Nacional Republicano Presidencialista (1921-1925), Acção Nacionalista (1922) e Centro do Nacionalismo Lusitano (1922-1925). Os presidencialistas neosidonistas continuaram o debate iniciado em 1918 sobre a correcção autoritária ou a superação integral do sistema de governo parlamentar republicano (Pinto, 1989; Medina, 1994; Leal, 1999).

Restabelecido o sistema de governo parlamentar em 1919, iniciou-se o processo da primeira fusão demoliberal moderada, que envolveu quase todos os membros do Partido Republicano Evolucionista, da União Republicana e do Partido Centrista Republicano, originando o Partido Republicano Liberal (1919-1923), que colocou no seu Programa (Novembro, 1919) a exigência da revisão dos aspectos “inutilmente agressivos” da Lei da Separação do Estado das Igrejas, o alargamento do sufrágio e a regulamentação do sufrágio feminino, o recenseamento eleitoral obrigatório ou a representação de classes no Senado. Essa fusão teve a oposição de uma facção política do extinto Partido Republicano Evolucionista, dirigida por Júlio Martins, que acabaria por criar o pequeno Partido Republicano Popular (1920-1922), aparecendo na sua Plataforma Política (1920) o saneamento do Exército, o combater ao clericalismo ou a reforma ampla de todos os graus do ensino.

O Partido Republicano Liberal, chefiado por António Granjo, desenvolveu actividade até Fevereiro de 1923, altura em que se fundiu com o Partido Republicano de Reconstituição Nacional (1920-1923), uma cisão no Partido Republicano Português ocorrida em 1920 (Silva, 1996) que defendia no seu Projecto de Programa (1920) um plano de fomento e uma política proteccionista, a substituição gradual dos impostos indirectos pelos directos, a despolitização do Exército (profissionalização), a tolerância política e religiosa, ou o regionalismo. Os dirigentes do Partido Republicano Liberal pretenderam criar, dentro do imaginado rotativismo político, o pólo de alternância ao Partido Republicano Português (“Partido Democrático”), mas só governaram autonomamente em 1921 cerca de cinco meses no Governo de Tomé de Barros Queirós e no Governo de António Granjo, que veio a ser assassinado na “noite sangrenta” (19-10-1921), tendo ganho com maioria relativa umas eleições legislativas (10-07-1921).

A segunda fusão demoliberal moderada dar-se-ia em Fevereiro de 1923, entre o Partido Republicano Liberal e o Partido Republicano de Reconstituição Nacional, donde surgiu o Partido Republicano Nacionalista (1923-1935) (Farinha, 2003; Baiôa, 2015), que, no seu Programa de Realizações Imediatas (1924), propunha o princípio de dissolução do Congresso da República pelo Presidente da República, a criação do Conselho de Estado, a representação de classes no Senado, a efectiva liberdade religiosa, a criação do ensino infantil, ou leis do trabalho indo ao encontro das reivindicações operárias.

Este partido político passou por dois processos de cisão partidária: um, em Dezembro de 1923, liderado por Álvaro de Castro, o Grupo Parlamentar de Acção Republicana (1923-1925) permaneceu como cisão parlamentar, afirmavam lutar pela “pureza e lógica das instituições parlamentares republicanas” e que não tinham intuitos partidários; outro, em Março de 1926, liderado por Francisco da Cunha Leal, formalizou-se partidariamente na União Liberal Republicana (1926-1930) (Pinto, 1995), inscrevia no seu Manifesto (Março, 1926) o respeito pelas aspirações da consciência católica (personalidade jurídica da Igreja Católica, princípio da hierarquia religiosa, liberdade de ensino religioso nas escolas particulares), a representação de classes no Senado através de técnicos, a reforma administrativa descentralizadora, ou a liberdade de comércio e de indústria dos tabacos.

Na verdade, o Partido Republicano Nacionalista foi o mais relevante partido político concorrente do “partido hegemónico” Partido Republicano Português (“Partido Democrático”), mas não obteve sucesso nas últimas eleições legislativas da I República Portuguesa (8-11-1925). Constituíram apenas Governo em 1923 durante um mês, sob a presidência de António Ginestal Machado, sendo um dado significativo a presença do General Óscar Carmona como Ministro da Guerra, futuro Presidente da República no Estado Novo. Em 1925 aderiram a esse partido político membros do Partido Nacional Republicano Presidencialista, seguindo-se a extinção deste pequeno partido político.

A partir de Outubro de 1920, o grupo político republicano reformista e radical de António Machado Santos esboçou novamente a sua estruturação em torno de uma Federação Nacional Republicana (1920-1921) e propugnava no seu Objectivo Político (1920) pela construção do Estado Confederado Português, integrando as províncias ultramarinas depois de transformadas em estados autónomos, que devia ser um dos pólos da futura Confederação Luso-Brasileira.

Dentro da área política radical, a proposta mais consistente foi a do Partido Republicano Radical (1923-1926). Neste partido político, coexistiu – sob a liderança inicial de José Pinto de Macedo – uma forte corrente unitarista descentralizadora com uma significativa corrente federalista descentralizadora. Nem o estímulo vindo de França, com Édouard Herriot, presidente do Partido Radical francês (fundado em 1901), nomeado Presidente de Governo em 1924-1925, impediu que o Partido Republicano Radical tivesse uma existência atribulada, fraccionista e de pouca expressão eleitoral para a governabilidade, com a disputa entre sectores constitucionalistas e revolucionaristas. No seu Programa (1923) defendia-se a republicanização do regime, um plano articulado de reformas, o Presidente da República chefe de facto do poder executivo, o unicameralismo, o Senado transformado numa Câmara da Economia Nacional com representantes regionais e profissionais, o município autónomo, a província como federação de concelhos, os distritos remodelados em fundamentos regionalistas, a ampla descentralização administrativa colonial ou a extinção da Legação junto do Vaticano.

Nesta terceira fase da I República Portuguesa, assistiu-se também no campo das esquerdas sociais a um processo de recomposição iniciada em 1919. O Partido Socialista Português, que inseria no seu Programa (em vigor desde 1907) o ideal de uma República Social, de matriz municipalista e federal, a abolição do Estado, a socialização das riquezas ou o sufrágio universal masculino e feminino, terá pela primeira vez presença em governos republicanos – Augusto Dias da Silva (Ministro do Trabalho, 1919), Amílcar Ramada Curto e José António Costa Júnior (Ministros do Trabalho, 1920), o que acentuou o debate no interior desse partido político sobre a oportunidade de colaboração governamental (confronto entre os chamados intervencionista e os anti-intervencionsitas). Os anarco-sindicalistas fundaram a Confederação Geral do Trabalho (13-09-1919), agrupando dezenas de associações operárias, e criam o diário A Batalha (23-02-1919). A organização do ideário maximalista/bolchevista iniciou-se com a Federação Maximalista Portuguesa (Março, 1919) e o semanário Bandeira Vermelha (5-10-1919) e continuou com o Partido Comunista Português (6-03-1921) e o semanário O Comunista (16-10-1921).

O Partido Republicano Português (“Partido Democrático”), “partido hegemónico” no sistema político, assistiu a duas importantes cisões que começaram como grupos parlamentares, conforme o processo habitual da dissidência em organizações com forte influência de notáveis parlamentares e locais (Weber, 1973: 86-90; Duverger, 1974; Canotilho, 2000), e se transformaram depois em partidos políticos com uma rede sócio-política nacional. A primeira cisão ocorreu em Março de 1920, com o já referido Grupo Republicano de Reconstituição Nacional, transformado a partir de Junho de 1920 em Partido Republicano de Reconstituição Nacional, sob a liderança de Álvaro de Castro, extinguiu-se em Fevereiro de 1923 durante o processo de fusão com o Partido Republicano Liberal. A segunda cisão teve lugar a partir de Julho de 1925 com o Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática, averbando no seu Manifesto (1925) a democratização da República, a extinção dos monopólios estatais do tabaco, dos fósforos e da moagem, o parcelamento dos latifúndios, a reforma da educação ou a promoção das classes médias e das classes trabalhadoras; evoluiu desde Abril de 1926 para Partido Republicano da Esquerda Democrática (1926-?), chefiado por José Domingues dos Santos, e pretendiam elaborar um programa político partidário ajustado ao tempo a partir do modelo geral do Programa (11-01-1891) do Partido Republicano Português (Queirós, 2008).

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5. Conclusão

Na primeira fase da I República Portuguesa (1910-1917), assistiu-se a uma estabilidade ao redor de três partidos republicanos constitucionais (Partido Republicano Português/“Partido Democrático”, Partido Republicano Evolucionista e União Republicana) e a uma instabilidade na área dos partidos e grupos políticos republicanos reformistas ou radicais, mesmo naquele segmento que tinha mais audiência e era dirigido por António Machado Santos (Aliança Nacional e Centro Reformista). A segunda fase da I República Portuguesa (1918) manifestou a organização protopartidária do republicanismo presidencialista e orgânico-corporativo (Partido Nacional Republicano), a partir de uma cisão no Partido Republicano Evolucionista em finais de 1917 (Partido Centrista Republicano), que sobreviverá através de pequenos grupos políticos, vindo o mais significativo (Partido Nacional Republicano Presidencialista) a aderir em 1925 ao Partido Republicano Nacionalista.

Durante a terceira fase da I República Portuguesa (1919-1926), desenvolveu-se a instabilidade dentro dos partidos políticos republicanos constitucionais, com dissidências, cisões e fusões. Na área republicana moderada ocorreram fusões (Partido Republicano Liberal e Partido Republicano Nacionalista) e cisões no Partido Republicano Nacionalista (Grupo Parlamentar de Acção Republicana e União Liberal Republicana). Na área republicana reformista e radical ressurgem agrupamentos políticos (Federação Nacional Republicana e Partido Republicano Radical). Situações relevantes, dada a sua vocação e prática de “partido hegemónico” e principal partido de governo, foram as cisões no Partido Republicano Português (“Partido Democrático”) em 1920 (Partido Republicano de Reconstituição Nacional) e em 1925 (Partido Republicano da Esquerda Democrática).

Este diversificado mapa político dos partidos e grupos políticos republicanos – “multipartidarismo imperfeito ou de partido dominante” (Sousa, 1983: 167) ou “multipartidarismo competitivo e desorganizado” (Canotilho, 2002: 176) – é também devedor do processo crescente – mas lento – de modernização da sociedade portuguesa, marcado pela abertura institucional, pela diferenciação cultural, pela mobilidade social e pelas mudanças estruturais, configurando uma sociedade mais aberta e plural, apesar da lentidão de ascensão demográfica, do forte desequilíbrio na distribuição da população, da fraquíssima urbanização, das disparidades regionais, da intensa emigração, da reduzida circulação, do contraste entre regiões meridionais (latifúndio) e setentrionais (minifúndio), do atraso técnico-cultural e baixo nível económico, das reduzidas classes médias ou da elevada taxa de analfabetismo (Godinho, 1977: 165-195).

Permanecia, assim, em Portugal, nos anos 10 e 20 do século XX, um sistema social e um sistema político muito condicionado por uma extensa malha de redes de relações oligárquicas, hierárquicas e clientelares, visto serem ainda características de base das sociedades mediterrânicas do Sul da Europa: “Nas sociedades mediterrânicas – Espanha, Portugal, Itália e Grécia – as relações patrono-cliente, tanto na forma ‘tradicional’, como na forma mais moderna de redes partidárias, burocráticas e administrativas, foram, não um factor importante na formação do núcleo da estrutura institucional (à imagem de outros países europeus) mas antes o próprio núcleo […]” (Eisenstadt, 2007: 107).

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Título original: Partidos e Grupos Políticos na I República Portuguesa – uma visão geral

Imagem de destaque: Ernesto Castro Leal apresenta a sua comunicação nos Encontros de Outono 2017 – Partidos e Movimentos Políticos 1910-1974 (José Rocha; fotografia).


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Imagem: TB / Unsplash


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Categorias: Cultura, História

Acerca do Autor

Ernesto Castro Leal

Ernesto Castro Leal é licenciado em História, mestre, doutor e agregado em História Contemporânea pela Universidade de Lisboa. Professor Associado com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Departamento de História). Investigador integrado do Centro de História da Universidade de Lisboa, académico correspondente da Academia Portuguesa da História, membro do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e investigador da Rede NETCOR (International Network for Studies on Corporatism and Organizes Interests). Desenvolve investigação nas áreas da História das Ideias, da História Política, da História Biográfica e da História Local, principalmente durante os séculos XIX e XX. Coordena desde 2009 os Seminários anuais de História e Cultura Política (Centro de História da Universidade de Lisboa) e a edição das Actas. Entre os livros publicados, encontram-se os seguintes: António Ferro. Espaço Político e Imaginário Social (1918-1932), Lisboa, Edições Cosmos, 1994; Nação e Nacionalismos. A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira e as Origens do Estado Novo (1918-1938), Lisboa, Edições Cosmos, 1999; Partidos e Programas. O campo partidário republicano português (1910-1926), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008; António Granjo. República e Liberdade (co-autoria), Lisboa, Assembleia da República, 2012; Grandes Chefes da História de Portugal (co-autoria e co-coordenação de José Pedro Zúquete), Lisboa, Texto Editora, 2013; Manifestos, Estatutos e Programas Republicanos Portugueses (1873-1926). Antologia (coordenação, introdução e notas críticas), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Biblioteca Res Publicana, 2014.

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