Construir: escolher a Arquitectura e/ou a Engenharia!?

Construir: escolher a Arquitectura e/ou a Engenharia!?

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A propósito de uma reflexão para uma revista da especialidade sobre a Construção e “O estado da nossa Arquitectura – Pela Revogação do Dec. Lei 73/73”, registava, em Julho de 2006, que “na minha não longa experiência profissional, pude constatar alterações graduais bastante significativas na vivência das pessoas, agora, muito mais sensibilizadas para a qualidade de vida que a “boa” Arquitectura nos pode proporcionar”.

Estou certo, que com a influência da globalização, a sociedade portuguesa em geral ultrapassou uma certa estagnação que se arrastava de alguns anos a esta parte por força das circunstâncias histórico-políticas que o País atravessou. O conservadorismo e tradicionalismo do período do Estado Novo acabaram por marcar a Arquitectura Portuguesa com o seu estilo “Português Suave”. Por outro lado, o período de transição do mesmo para um estado de liberdade – sem dúvida importante na nossa história, contudo algo anárquico, urbanisticamente falando – deixou danos quase irreparáveis, pelo processo do desenvolvimento económico que a década de 80 desencadeou, a um ritmo avassalador e que originou programas urbanísticos algo débeis, “feitos em cima do joelho”, projectos em série, por falta de técnicos qualificados, salvo boas referências de excepção, que ainda perduram.

Hoje, a sociedade, com os seus defeitos e virtudes, é o espelho da nossa história mais ou menos atribulada, traduzindo uma evolução, sempre desejada, longe do ideal é um facto, mas sem dúvida para melhor ou não fosse um optimista por natureza, tendo presente que o ideal é pura utopia, mas que ainda assim vale a pena sonhar.

Tenho verificado uma crescente confiança nos Arquitectos sentindo, por isso, cada vez menos dificuldade em impor as minhas ideias, razão pela qual acho que as pessoas estão muito mais abertas e receptivas. O que é um bom sinal do reconhecimento do estado da nossa Arquitectura, que está a evoluir.

Não poderia deixar de enumerar alguns factores importantes que contribuíram para a maior visibilidade da Arquitectura Portuguesa na criação de novas oportunidades, tais como o aparecimento de novos eventos urbanísticos com a aposta em Arquitectos Portugueses, o aumento exponencial do número de Arquitectos e a modernização da Indústria de Construção Civil.

Por isso, e porque penso que a Arquitectura foi feita para servir as pessoas, respeitando sempre o objectivo do solicitado, sem perda da nossa identidade própria e a nossa forma de interagir num determinado momento e espaço, verifico que evoluí nestes últimos anos, e isso deve-se não só à experiência entretanto adquirida, mas também porque as pessoas estão a mudar.

Neste sentido, e porque tudo muda, talvez seja bom perceberem, que não somos nós, Arquitectos, que pedimos. É a sociedade em geral que exige mais qualidade na abordagem às suas vidas, razão pela qual a Arquitectura deverá ser para os Arquitectos e a Engenharia para os Engenheiros. As coisas têm um lugar, e por isso a actual situação não faz qualquer sentido, sem prejuízo dos Engenheiros poderem vir a adquirir formação em Arquitectura e os Arquitectos em Engenharia.

A Arquitectura toca-nos a todos, todos os dias, de manhã à noite. É preciso observá-la, senti-la e saber-lhe reconhecer o devido valor que a mesma representa nas nossas vidas.

Pela revogação do Dec. Lei 73/73.”

Passados sensivelmente doze anos:

Após ter escrito este artigo, depois de já ter sido revogado tal decreto-lei, com algum espanto, vimo-nos muito recentemente na eminência de voltar ao “pecado original”, isto é, àquele que muito contribuiu para o que de pior se fez na Arquitectura portuguesa, pela má qualidade dos edifícios e pelo caos urbanístico que se instalou no nosso território, sobretudo nos anos áureos da construção, ainda que compreendido dada a escassa representatividade de Arquitectos naquele tempo. A Arquitectura continua a seduzir parte dos engenheiros nesta insistente ideia, mas errada, por pensarem estarem habilitados para a fazer, não fosse o veto sagaz do nosso Presidente da República.

Ainda que o projecto de lei apresentasse reservas com vista a reposição da possibilidade de certos Engenheiros fazerem Arquitectura iríamos, certamente, abrir um enorme precedente deitando por terra tudo o que foi feito a este nível. Confundindo as pessoas relativamente ao que realmente significa a Arquitectura e não compreendendo definitivamente o trabalho do Arquitecto. Desvalorizando-o. Isto, não obstante, um ou outro caso por reconhecido valor científico e artístico, se pudesse outorgar a capacidade para o exercício, a título excepcional, sob a tutela da Ordem dos Arquitectos.

Contudo, não queremos com isto distanciarmo-nos daquilo que por natureza está directamente relacionado, daquilo que sempre nos aproximou e continuará a aproximar Arquitectos e Engenheiros, inerente ao processo construtivo. A materialização da obra só é possível pelos enormes contributos científicos que a engenharia tem a capacidade de nos oferecer, assim como o contrário também deve ser reconhecido à Arquitectura. Fomentemos, sim, o respeito pelo trabalho de cada um e o espírito colaborativo que estas nobres actividades devem ter, sem criarmos cisões nem divisões.

Estamos certos, que o problema da Arquitectura ser para Arquitectos e da Engenharia para Engenheiros é uma questão de princípio, mas vai muito para além desta ideia base. Nos dias que correm, tal retrocesso significaria regredirmos culturalmente. Significaria não termos percebido o quanto a Arquitectura afecta a vida das pessoas. Significaria não valorizarmos nem termos respeito pelo trabalho árduo da Academia e dos Arquitectos que nos levaram às mais diversas conquistas no panorama nacional e internacional, que se afirmaram como referências da história da Arquitectura mundial. Significaria, afinal, nestes últimos anos, não termos compreendido absolutamente nada do que realmente é a Arquitectura.

A Arquitectura, esta arte que dá vida aos nossos espaços, conduz-nos através da nossa experiência cultural e da nossa vivência espacial, a um patamar cognitivo e perceptivo tal que só um Arquitecto habilitado para projectar o ambiente habitado pelo ser humano é capaz de o fazer. A nossa experiência estética resulta do contágio que começa na criação, em que o Arquitecto passa um pouco de si para as formas arquitectónicas, comunica e materializa os seus conhecimentos e os seus sentimentos concedendo, desta forma, qualidades científicas e humanas à obra de Arquitectura, humanizando-a.

É urgente sim, continuar a apelar, sensibilizar e fomentar a compreensão, a essência do que realmente significa a Arquitectura. Ampliando o conhecimento e contribuindo para melhorar o nosso sentido crítico relativamente ao estado actual da Arquitectura. Independentemente de toda a carga psicológica inerente à Arquitectura, ela é tanto ou mais evidente se estivermos mais ou menos preparados para a sentir. Há todo um contexto de acções conscientes e inconscientes intrínsecas a este cenário de experiência mental e corporal que são condicionadas pelo espaço que nos rodeia. Um olhar predisposto à compreensão do espaço fará toda a diferença. A Arquitectura enriquece e as pessoas agradecem.

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Imagem: PAN

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Acerca do Autor

Pedro Araújo Napoleão

Pedro Araújo Napoleão nasceu em Vila Nova de Famalicão em1972. É licenciado em Arquitectura pela Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão. Diplomado em Estudos Avançados em Expressão Gráfica Arquitetónica pela Universidade da Corunha. Doutorado com a Tese de doutoramento “As Sensações e Emoções na Arquitetura” pela Universidade da Corunha. Exerce a sua atividade profissional na Panatelier - Pedro Araújo & Napoleão, Lda, desde 1997. Trabalhou como Director Técnico no Grupo CRB em Paris entre 2012 e 2015. Actualmente integra o Grupo de Investigação em Representação Arquitectónica da Universidade da Corunha.

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