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A medicina deve ser feita de tanta humanidade quanto de ciência… e precisamente por isso este artigo falará de pessoas e não de doenças.

Frequentemente, quando há referência ao envelhecimento da população, vem à discussão o assunto da morte, opina-se sobre os idosos deixados no hospital pelas famílias, criam-se divergências sobre os lares que não existem em número suficiente para acolher a todos. Toda a gente tem uma opinião e há algum consenso em defender-se a morte serena e apoiada. Todos pensam no bem-estar último do doente e no maior conforto a dar quando já só nos resta isso para oferecer. Se assim não fosse não se ouvia tantas vezes a vontade expressa de morrer sereno, durante o sono – se o queremos para nós também deve ser assim para os demais.

A discussão é velha e as opiniões são cada vez mais marcadas, mas o cuidador dessas pessoas raras vezes é lembrado. Todos falam do doente, todos querem o seu conforto e facilmente se aponta o dedo à família que quer prolongar a situação terminal. A própria comunidade médica tem dificuldade em entender o cuidador quando este quer tentar só mais um soro, subir a dose do antibiótico só por mais umas horas. É-nos difícil, população em geral e prestadores de cuidados de saúde, entender o porquê de um familiar cair na obstinação terapêutica e ir, muitas vezes até, para lá do razoável.

Perante um individuo com um quadro clinico irreversível e sem resposta à terapêutica, sem capacidade vital para suportar a sua condição clínica, o profissional de saúde entende que os cuidados não devem ir além dos essenciais para o conforto e bem-estar do doente. Algumas vezes chega a ser proposto retirar-se mesmo a alimentação por sonda ou os soros e a manter apenas medicação analgésica. Esta é das situações mais difíceis para um familiar, que se sente a partir dali impotente e incapaz de lutar pelo seu ente querido. Sente que estão a desistir da pessoa e é-lhes difícil acreditar que, naquela fase, não será a alimentação a mudar o rumo do quadro clínico nem que o doente não sentirá necessidade dela; pode até acontecer que o forçar da alimentação e hidratação provoquem estase gástrica e retenção com consequente desconforto para o doente.

Estes são os momentos mais difíceis de viver num hospital e há algumas particularidades que têm de ser sistematicamente lembradas. Há familiares sim, que abandonam os seus entes nos hospitais mas também há aqueles que cuidam durante anos e anos. Há aqueles que os levam para as suas casas ou se mudam para as deles e que alimentam, lavam, ajudam a mudar de posição na cama; que alteram rotinas de emprego, abdicam dos tempos livres, já não voltam a ir para fora de férias. E dia após dia, entrave após entrave, vão tendo conquistas de bem-estar, vão conseguindo pequenos apoios domiciliários, vão protegendo, vão-se sentindo mais capacitados daquela tarefa a que o amor obriga.

E diariamente sentem gratificação ao serem capazes de cuidar de quem deles cuidou antes. E a missão cumpre-se aos bocadinhos e já não há outro sentido senão aquele, o de tratar e de conseguir.

Quando um ente querido morre a dor do cuidador assume todas as formas e domínios. É a perda atroz de quem se ama e o vazio da perda do objetivo. Anos e anos e anos dedicados a alguém, a lutar pelo melhor para aquela pessoa, para, de repente, o profissional de saúde dizer que está na hora de baixar os braços, que não há mais luta a travar; que é tempo de confiar e deixar ir que a partir dali é com ele…

O que fica nesse momento? Quando a nossa pessoa se vai e nos deixa completa e assustadoramente sós? Volta-se à vida que se tinha antes? Arranjam-se novas metas? E o que se alcançou; porque não foi suficiente? Será que é mesmo tempo de desistir?

Para o cuidador, o que fica para lá do fim?

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Imagem de destaque: O fim (Paula Costa; colagem)

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