Cinema | Veículo do Amor. Uma leitura de Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Leliou

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Sebastián Lelio realizou Uma Muher Fantástica, o flme vencedor do Oscar 2018 para o Melhor Filme Estrangeiro, apresentado no Cineclube de Joane em 29 de março. Neste filme, Marina, uma jovem cantora trangénero, e Orlando, um homem bastante mais velho, apaixonam-se. Os problemas acontecem quando Orlando morre e a família não reconhece a relação nem a dor de Marina pela sua morte.
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“Esta celebração da magia mundana não é, nem deve ser, algo fácil de alcançar ou que possa ser imposto de forma extrínseca, automática e generalizada. É, acima de tudo, uma viagem interior.”
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“S. Francisco não disse: dá-me luz, dá-me paz. Disse: faz-me um instrumento do teu amor e um canal da tua paz”. É o que o professor de canto diz a Marina quando esta procura o seu conforto. A protagonista irá ter de lutar pela sua felicidade, sem esperar que o mundo magicamente se transforme para a acolher. Não será tarefa fácil e isso nota-se na subtileza com que a atriz conduz a personagem, num misto de fragilidade, ternura e raiva. O filme abre com as Cataratas do Iguaçu, uma das sete maravilhas do mundo, e mantém durante algum tempo a possibilidade simbólica de escape, que mais tarde é negada quando Marina abre o misterioso cacifo do amante e dá de caras com a escuridão que terá de combater. Tem, apesar de tudo, a ajuda do filme, que se encarrega de iluminar o seu mundo e nele realçar, com cores etéreas e melodias oníricas, aquilo que nele há de maravilhoso.
Marina e Lelio, o realizador, não esperam milagres. Aquilo que há de “fantástico” neste filme – no sentido de Tzvetan Todorov, algo que porventura viola as leis da natureza, tema central numa obra sobre uma mulher que rotulam de “quimera” e a certa altura transformam num desfigurado monstro – é produto de um artifício tangível e quotidiano. Aquele que dá luz aos neons da sauna “Finlândia” ou do “Palácio Imperial Lung-Fu”, o restaurante chinês onde o casal celebra o aniversário de Marina com um curioso bolo musical.
Mas esta celebração da magia mundana não é, nem deve ser, algo fácil de alcançar ou que possa ser imposto de forma extrínseca, automática e generalizada. É, acima de tudo, uma viagem interior e, por isso, Marina começa o filme como cantora de salsa, ostentando o seu desprendimento e exaltando a leveza das paixões, e despede-se com um mais solene tema lírico, mostra da sua determinação e da sua vontade de continuar a afirmar uma visão colorida do real apesar da dor e do desprezo a que é votada pelos demais. Orgulhosamente solitária, Marina está-se nas tintas para o desdém dos outros e para a nossa compaixão. No final, torna-se de facto num veículo do amor, irradiando-o, mas cabe-nos a nós conseguir merecê-lo e aprender a cultivá-lo.
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Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio – trailer
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Uma Mulher Fantástição – Ficha de divulgação do CineClube de Joane. O filme foi apresentado no auditório da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, em 29.03.2018 e obteve o Oscar para o melhor filme estrangeiro este ano.
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Imagem de destaque: Marina, representada por Daniela Vega (divulgação, em Bastidores).
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Outras imagens:
Capa de edição dvd de Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio (divulgação, em Filmow)
Marina e Orlando apaixonados – cena de Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio (divulgação, em Revista Spiral).
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