Na Póvoa de Varzim há mar e mar, há ir, escrever, ler e voltar (2ª pt.)
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Dia 3º (23 de Fevereiro)
I – É sexta-feira, a manhã do terceiro dia das Correntes d’Escritas já vai avançada. E doem-me os músculos por ter carregado no dia anterior a mochila atafulhada com livros, mais um saco de papel, também ele com vários livros, que consegui colocar dentro da mala de mão. E ainda três quilos de fruta: um quilo de laranjas, um quilo de morangos e um ananás, cujo perfume impregnava a frutaria, situada a poucos metros do Teatro Garrett, ao longo de um percurso de quase duas horas de comboio e metro, no trajecto entre a Póvoa de Varzim e Famalicão.
Ao consultar o meu saldo, apercebo-me que já quase estourei o orçamento que havia destinado para a compra de livros nestes quatro dias de férias. E a procissão, isto é, o evento, ainda vai no adro: What’s in a Name e Arder a palavra e Outros Incêndios de Ana Luísa Amaral, Vem à Quinta-feira de Filipa Leal, Escola de Náufragos, A Loucura Branca e Preparação para a Noite de Jaime Rocha, isto logo no primeiro dia (e já tinha adquirido As Flores do Mal: Absinto, Ópio, Tabaco e Outros Fumos, de Fernando Pessoa, e Poemas Completos, de Herberto Hélder, nessa manhã de quarta-feira, em Braga), tudo isto logo no primeiro dia. No segundo dia, ontem, foi o açambarcamento da obra de Ana Margarida de Carvalho (a autora com a qual toda a gente queria ser fotografada), de quem apenas havia lido um conto na Revista GRANTA Portugal. Os livros dela são Que importa a Fúria do Mar, Não se pode morar nos olhos de um gato, Pequenos delírios domésticos e Julgamentos que Mudaram a História (o único de não-ficção, dos quatro livros dela publicados até ao momento), a que juntei mais dois da autoria de Juan Gabriel Vásquez, o vencedor do Prémio Correntes d’Escritas deste ano: O barulho das coisas ao cair e A Forma das Ruínas. Anda assim, tento conter-me, caso contrário teria de levar comigo um carrinho de mão.
Hoje, a leitura do livro de Ana Margarida de Carvalho, no qual a autora sai do registo literário e mergulha no género crónica/narrativa para falar de julgamentos polémicos ao longo da História, faz-me sair na paragem errada, obrigando-me a almoçar na Estação de São Bento, antes de me dirigir à Trindade para apanhar, mais uma vez, o metro para a Póvoa. Mas desta vez, no comboio certo, sem entrar na composição que chega dois minutos antes em direcção a Matosinhos, como acontecera na quarta-feira. Em São Bento, termino de ler a história à volta da ditadura de Cromwell, em Inglaterra, e o julgamento e execução do rei Charles I. A autora havia confessado estar um pouco triste por constarem no livro algumas gralhas, que esperamos sejam corrigidas numa nova edição, revista e ampliada. Será uma pena se o não fizerem. Enquanto acabo de comer a tosta de queijo fresco e abacate que vai ser o meu almoço, consulto o google para actualizar a informação sobre a mesa da manhã, a que já não consegui assistir, no site oficial das Correntes. Tenho pena de ter perdido ontem, também, a sessão de cinema do cineclube Octopus com o filme Peregrinação, de João Botelho, baseado na obra homónima de Fernão Mendes Pinto, onde a vertente crítica e desejo de ser fiel à realidade do escritor se projecta, em tom de crónica, numa estética literária que se adequa perfeitamente à narrativa cinematográfica de Botelho*, – a qual inclui cenas filmadas não apenas em Portugal, mas também na China, Índia, Japão, Malásia e Vietname. Estou mesmo ansiosa por ver o filme, logo que tenha oportunidade. Espero, ainda, conseguir esta tarde falar com Isabela Figueiredo quando conseguir um exemplar de A Gorda.
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II – Chego, finalmente, à Póvoa, a tempo de tomar – engolir – um expresso acompanhado de um doce poveiro no café, junto à Igreja da Salvação (infelizmente aquele lugar e os doces são, pelo contrário, uma perdição para mim e para a minha glicemia, que já me teria transformado em diabética do tipo 2 se não fossem as horas intermináveis passadas no ginásio) e de acabar de ler o que se passou durante a manhã na mesa 5, “O que escrevo atormenta o que sou”.
Fico então a saber que um dos convidados para a Mesa 5, o poeta angolano Helder Simbad, não conseguiu comparecer por dificuldades burocráticas, envolvendo vistos e outros trâmites legais, tendo deixado o texto da sua comunicação ao cuidado de Lopito Feijóo que transmitiu a mensagem de que:
«O que escrevemos é sempre maior do que nós (…). Somos tão pequenos ante o que escrevemos e só por isso o que se escreve nos atormenta porque, por vezes, se escreve mesmo».
Simbad irá aqui, talvez, ao encontro do pensamento de Inês Pedrosa quando a escritora afirmava no dia anterior que “falar é agir” e que o escritor, ao usar da palavra, tem o poder de colocar as coisas em movimento através do discurso, uma vez que as consequências da palavra proferida, sobretudo escrita, ultrapassam depois o tempo de vida do próprio escritor. Na perspectiva de Simbad, a palavra é, para ele, uma “acção positiva” no sentido de revelar o real como quem dá a ver algo de precioso: “Escrevo o avesso das coisas e descubro que não sou (…). O que sou pouco importa, o mais importante é o que escrevo (…) e eu posso não ser o que julgam.
Sandro William Junqueira (O Caderno de Algoz, 2009; Um piano para cavalos altos, 2012; No céu não há limões, 2014, Quando as Girafas baixam o pescoço, 2017), ao esquematizar o balanço entre o “eu” pessoal (a personalidade, a história pessoal) e o “eu” colectivo (a biografia profissional) de um escritor, socorre-se de vários exemplos na História da Literatura que ilustram também a divisão entre o “eu” do autor e o “eu” do narrador nas suas obras. A dado momento, Sandro William Junqueira aproveitando para recordar o talento de um amigo, entretanto falecido, o poeta Rui Costa, no poema “Horóscopo para os Mortos”, demonstra como, por vezes, também, as duas personae podem conviver, interceptar-se e, não raro, fundir-se.
João Tordo (O Livro dos Homens sem Luz, 2004; Hotel Memória, 2007; As Três Vidas, 2008; O Bom Inverno, 2010; Anatomia dos Mártires, 2011; O Ano Sabático, 2013; Biografia Inventada dos Amantes Involuntários, 2014; O Luto de Elias Gro, 2015; O Paraíso segundo Lars D.,2015; O Deslumbre de Cecília Fluss, 2017) procurou antes deixar entrever um pouco o processo da construção do seu “Eu” de escritor, partindo de episódios vários, sucedidos ao longo da sua infância e adolescência, os quais lhe foram moldando esse lado específico da sua personalidade, construído pedra a pedra, num esforço contínuo de superação. No caso de Tordo, o factor crucial para a solidificação da sua faceta de romancista foi o Tempo. E esta consolidação da capacidade de ficcionar acabou por revelar-se uma terapia que lhe possibilitou ultrapassar a extrema dificuldade em dirigir-se aos outros e, sobretudo, falar em público, devido a um problema de… gaguez (hoje ninguém suspeitaria de tal facto). A escrita permitiu-lhe pois refugiar-se na segurança que lhe transmitia a literatura, “onde podia estar à vontade”, já que não era fisicamente obrigado a utilizar o aparelho de articulação da fala. Depois, com o amadurecimento, chegou a capacidade de aceitação da sua vulnerabilidade ao descobrir ser a gaguez a causa da sua fobia de falar em público. Esta descoberta tornou-se, posteriormente, o grande facilitador que lhe permitiu encontrar a inspiração inicial para a escrita.
Karla Suárez (A Viajante, 2002; Os rostos do Silêncio, 2006; Havana: ano Zero, 2011; Um Lugar Chamado Angola, 2017), escritora cubana a viver há vários anos em Portugal, encara o leitor como “o final de todo o processo” [de escrita] mediante o qual o acto de escrever adquire a forma de um acto de exorcismo” – metáfora que alude à relação dialógica entre narrador e leitor que a autora, ao projectar-se na fala do narrador, estabelece de forma indirecta com aqueles que vão ler os seus textos:
«Enquanto o texto não existe, não há leitor possível [nem relação dialógica com este]. O único leitor [nessa fase do processo antes da materialização do texto em papel, no computador ou em gravações áudio] são os meus olhos [arquivo de imagens mental]. Sou cúmplice absoluta da história e de tudo o que se esconde atrás dela».
Por último, para Afonso Cruz (A Carne de Deus, 2008; Enciclopédia da História Universal, 2009; Esdrúxulas, Graves e Agudas: magrinhas e barrigudas, 2010; Os Livros que devoraram o meu pai, 2010; A Boneca de Kokhoshka, 2010; A Contradição Humana, 2010; O Pintor debaixo do Lava-loiças, 2011; Enciclopédia da História Universal – Recolha de Alexandria, 2012; Jesus Cristo Bebia Cerveja, 2012; O Livro do Ano, 2013; O Cultivo das Flores de Plástico, 2013; Enciclopédia da História Universal – Os arquivos de Dresner, 2013; Assim, mas sem ser Assim, 2013; Para onde vão os Guarda-chuvas, 2013; Os Pássaros (dos Poemas voam mais alto), 2014; Enciclopédia da História Universal – Mar, 2014; Capital, 2014; Barafunda (em conjunto com Marta Bernardes, 2015; Flores, 2015; A Cruzada das Crianças – vamos mudar o Mundo, 2015; Enciclopédia da História Universal – As reencarnações de Pitágoras, 2015; Vamos Comprar um Poeta, 2016; Nem todas as Baleias voam, 2016; Enciclopédia da História Universal – Mil Anos de Esquecimento, 2016; Jalan, Jalan, 2017), a criação do efeito literário acontece sempre que “há uma ruptura com aquilo que somos, com as nossas ideias, os nossos preconceitos. Senão, não seria criação”.
A escrita de Afonso Cruz é pois um exercício de alteridade e não de projecção. Trata-se de uma escrita que, neste aspecto, se aproxima da escrita ficcional de Ana Margarida de Carvalho, que estivera nas Correntes no dia anterior.
Isto não significa que o autor não possa estabelecer uma relação de empatia com a personagem, após o que dá o exemplo de Gustave Flaubert que “sofria com as dores de Madame Bovary, tal como acontecia também com Balzac, Unamuno, Leopardi ou Guerra Junqueiro. A criatividade da escrita de Afonso Cruz estabelece também relações dialógicas mas com a obra de outros escritores ou então de artistas plásticos, como é o caso de Kokoshka, cujo universo criativo povoa o seu romance A Boneca de Kokhoska.
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III – Após o debate, que se seguiu à comunicação dos intervenientes da mesa, foram apresentados mais três livros na Sala de Actos: Deixarás a Terra de Renato Cisneros, Gente Séria, de Hugo Mezena e Um muro no meio do Caminho de Julieta Monginho.
O livro de Cisneros oferece-nos o retrato do quotidiano do Peru, no final do século XIX, e primeira metade do século XX, em tom memorialista, onde o narrador tenta recuperar as raízes da sua história familiar, acabando por desenterrar alguns episódios mais obscuros do passado das gerações que o precederam. Paralelamente, Mezena faz algo similar para o Portugal profundo da região do Douro Litoral, abrangendo a quase totalidade do século XX (a acção situa-se entre 1887 e 1995). A localização espacial da narrativa situa-se nos limites da zona metropolitana do Porto e descreve uma comunidade fortemente vergada ao peso da religiosidade e, contudo, intrínseca e visceralmente violenta, capaz de actos hediondos. O paradoxo, assente no contraste entre a modernidade e o primitivismo, traduz-se na coexistência da religiosidade mais profunda e dos comportamentos mais transgressores numa pequena comunidade (que poderia até ser a nossa), apresentando-se como o principal factor que torna o livro apetecível, por apelar ao sentido da descoberta no leitor curioso e sempre insaciável na procura de novas vozes, lugares e formas de escrita. Já o livro de Julieta Monginho, que se socorre da sua experiência num campo de refugiados na ilha grega de Chios, fala de perda, fuga, exílio e desenraizamento, num ambiente de desolação onde se tenta achar um pouco de esperança, num cenário onde predominam a angústia e a esperança escasseia, como é normal num campo de refugiados de guerra.
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IV – Falta pouco, agora, para começar a mesa da tarde. Tento entrar na tenda dos livros, armada em frente ao Teatro Garrett, para comprar o livro de Isabela Figueiredo mas está agora hiper-povoado. Entro no edifício, encontro a minha amiga O. que desde sempre é presença assídua nas Correntes e colocamo-nos ambas na fila para conseguir lugares sentadas. Entretanto, cruzo-se com alguém que já não via há muito tempo, paro para cumprimentar, e perco o lugar na fila. Já só consigo ficar nas escadas do auditório: mas fico mesmo ao lado da minha amiga.
A mesa 6, “Escrevo para me desacorrentar da verdade” anda, mais uma vez, à volta do processo de construção ficcional a partir do real. Os participantes são moderados por Marta Bernardes. Partindo do estereótipo contido da frase para o desconstruir, os participantes iniciam as suas comunicações, versando sobre a proximidade da escrita ficcional ao real e, ao mesmo tempo, o grau de veracidade nela contida.
Isabela Figueiredo (Caderno de Memórias Coloniais, 2009, reed. 2016; A Gorda, 2016) contrariando o primeiro impulso para negar categoricamente a frase, descreve a situação que deu origem ao conto “Beleza infinita” publicado na última GRANTA Portugal, subordinada ao tema Revolução, mostrando até que ponto se aproximam e divergem as duas histórias paralelas: a verdadeira e a ficcional. A intervenção de Isabela Figueiredo, que se fez valer dos seus excelentes dotes comunicacionais de professora, transformou-se numa mini workshop de escrita criativa que “acorrentou”, pura e simplesmente, a audiência. Para a escritora iconoclasta que acabou com o mito colonialista do “português suave”, “o escritor não se desacorrenta da verdade, reescreve-a”, podendo não apenas “usar a escrita de forma terapêutica”, mas também “ para recriar o mundo em que quero viver”.
Do ponto de vista de José Mário Silva (Luz Indecisa, 2001; Efeito Borboleta e outras Histórias, 2008; Nuvens e Labirintos, 2009), “a verdade de um bom texto depende sempre de quem lê”. O escritor e crítico literário do Expresso, confessa que o texto final resulta sempre do “massacre” do texto original, que é produzido de forma espontânea, seguindo-se um minucioso processo de depuração, durante o qual usa muitas vezes a tecla “delete”.
Manuel Rui (Poemas em Novembro – 7 vols., 1976-1984; Regresso adiado, contos, 1973; O Espantalho, Teatro, 1973; Sim, Camarada!, contos, 1977; Memória de Mar, 1980; Os Meninos de Huambo, 1985; Da palma da Mão, 1998; Crónica de um Mujimbo, 1999; 1 Morto & Os Vivos, 1999; Saxofone e Metáfora, Estórias, 2001; Conchas e Búzios, 2003; O Manequim e o Piano, 2005; Estórias de Conversa, 2006; A Casa do Rio, 2007; Janela de Sónia, 2009; Travessia por Imagem, 2013; Quem me dera ser onda, 2016; O Kaputo Camionista e Eusébio, 2017), diz que a escrita lhe surge como um acidente, tal como na história “da galinha” que não queria virar churrasco, mas acabou na mesma a ser comida no prato. Para o escritor angolano, as personagens passam a existir a partir do momento em que as constrói ou em que as retira do quotidiano para passá-las para o papel. No entanto, é sempre fiel à verdade que tem sempre de habitar, explicita ou implicitamente, os interstícios das suas histórias, sem qualquer tipo de subterfúgios: “eu nunca me desamarrei a nada para escrever, muito menos da verdade. Aliás, muitas das verdades de hoje, são as mentiras de ontem e as mentiras de hoje, são as verdades de amanhã”, ironizou, referindo-se a estes tempos de pós-verdade e “fake news”.
O cantor/autor/poeta Mû Bana, além da performance vocal de algumas das suas canções de sua autoria, esclareceu de que forma as cantigas tradicionais de Angola serviram de “correia de transmissão” das lendas e narrativas tradicionais do povo angolano pela via oral, passando à gerações seguintes a cultura e a realidade que reflecte a realidade quotidiana do seu povo.
Valério Romão ( Autismo, 2012; O da Joana, 2013; Facas, 2013; Da Família, 2014; Dez Razões para aspirar a ser gato, 2015; Cair para dentro, 2018), a última intervenção a fechar a mesa, mesmo na altura em que já quase não sinto os músculos das pernas de tão dormentes que estão, e já nem tenho posição em que me sente nas escadas.
Romão começa por relatar a conversa, aparentemente sem sentido, que tivera uma vez com um arrumador de carros doente de esquizofrenia, que se assemelhava remota e estranhamente a um conto de Kafka: o homem dizia ouvir um escaravelho a sete milhas de distância. Resolveu, no entanto, o problema do escaravelho de uma forma simples: tatuando-o no peito para que deixasse de o atormentar. Passava, a partir de então, a saber onde se encontrava o bicho, a todo o momento.
A partir desta história, o escritor traçou então o paralelismo entre a forma como aquele doente de esquizofrenia resolveu o problema da “voz” (fictícia para nós, real para ele), do escaravelho que dizia ouvir mas que não sabia onde se encontrava e que lhe causava um nível medonho de ansiedade, com a actividade de escritor. Este último, tal como o seu personagem real fez com os escaravelho, transporta para a ficção as suas personagens incorporando-as na história tal como fez o arrumador que “tendo incorporado a realidade demencial, consegue domá-la, tendo acorrentado essa verdade a si próprio, torna-a confortável”.
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V – Na ânsia de esticar as pernas e de encontrar a A. que acabou de chegar de Famalicão e está à minha espera à porta do Teatro, saio antes de terminar o debate. Quero adquirir alguns livros de Molina que ainda não tenho, sem estourar o orçamento, que já se aproxima da linha vermelha, como havia dito antes. Vou ter de decidir se quero assistir à conversa entre o escritor Antonio Muñoz Molina e José Manuel Fajardo, na Sala de Actos ou à Mesa seguinte. Decido-me pela primeira opção, dada a escassez de oportunidades em conversar com o autor de Plenilúnio. O facto de ter gostado tanto deste policial atípico, a fugir completamente ao formato clássico do género, ao assumir uma narrativa de carácter marcadamente introspectiva, integrando o comportamento de todos os intervenientes no cenário geográfico, social e político de uma época específica (início dos anos 1990) foi decisivo na minha escolha.
Estive quase para acompanhar Aurelino Costa por meia hora à Fundação Luís Rainha onde também iria haver um mesa dedicada apenas à tradução, com Rui Zink e Vítor Quelhas, mas precisava também de encontrar a A. no meio da multidão e não queria correr o risco de nos desencontrarmos. Consegui vislumbrá-la à porta do edifício. Fomos para a sala de actos, onde tentei oferecer-lhe a minha cadeira na fila da frente. Recusou, preferindo ficar lá atrás. A entrevista não me desiludiu. Os escritores José Manuel Fajardo (no papel de entrevistador) e Antonio Muñoz Molina (no de entrevistado) conversam sobre os cenários que estão na base da construção da trama dos respectivos livros.
Molina faz notar que viveu um mundo em transformação, ao longo de quase meio século, fazendo notar que o mundo rural na Espanha do franquismo era muito semelhante ao mundo rural do tempo do “Quijote” de Cervantes e que esse mundo agora está totalmente transformado, industrializado, inclusivamente na agricultura.
Fajardo, na mesma linha, mas referindo mais ao aspecto social e psicológico, sublinha que cresceu, ele também, num mundo marcado pela guerra civil, que dividiu a sua família: o lado da mãe e o lado do pai pertenciam, então, a campos políticos opostos, sendo um deles falangista/franquista e o outro anarquista/republicano. Daqui advém que, aquilo que escreve transmite, muitas vezes, situações dramáticas, de conflitos e medos que viveu, sobretudo na infância.
Em seguida, o assunto passa a incidir nas personagens. Molina começa por falar da construção do “eu” dos seus protagonistas nos quais projecta a sua própria necessidade de solidão e silẽncio para poder pensar, reflectir e, em última análise, contemplar, para finalmente conseguir escrever. O autor de O Vento e a Lua fez notar que hoje em dia , com a evolução tecnológica é muito difícil as pessoas conseguirem ficar a sós consigo próprias para “reflectir, contemplar, escrever” pois “hay siempre el celular, el ordenador, la televisión; o entonces las redes sociales”.
As questões sociais e a pobreza são também questões que preocupam o escritor ( e que aparecem detalhadamente descritas nos seus romances como é o caso de Plenilúnio) porque geram normalmente descontentamento, instabilidade e até criminalidade.
Incitado por José Manuel Fajardo, Antonio Muñoz Molina tece algumas considerações sobre as diferenças culturais entre Espanha e Portugal, que vão muito para além de os portugueses ser mostrarem um povo bastante mais silencioso que o Espanhol – algo que, segundo o autor, se nota até ao atravessar a fronteira de comboio em Badajoz – comenta, bem disposto, ao relatar um hilariante episódio a bordo da carruagem-bar numa viagem Lisboa-Madrid. Uma das principais diferenças encontra-se ao nível da estatutária: com excepção da Avenida dos Aliados, no Porto, em quase todo o território português, opta-se muito mais por se homenagear figuras do mundo da literatura do que figuras bélicas, como acontece em Espanha.
O autor confidenciou, ainda, que o próximo romance que irá escrever passar-se-á em Lisboa, cidade onde irá viver agora, durante uma temporada, afirmando tratar-se de uma cidade da qual “só não gosta quem não tem sensibilidade”.
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VI – Entretanto, no auditório decorria a Mesa 7 “Escrever é provocar o fracasso” um mote que alude à perspectiva mercantilista da escrita e da escrita orientada para a venda de muitos exemplares.
Julieta Monginho (Um muro no meio do Caminho, 2018), a escritora que é também magistrada no Ministério Público, foi a primeira a intervir. A sua comunicação incidiu em jogos semânticos e fonéticos, construindo um discurso “provocador”, que dirigiu ao público que se encontrava a assistir à Mesa. A autora pretendia mostrar de que forma se pode usar as competências de comunicação para agir sobre o outro, área onde exerce uma criatividade fora do comum, como se pode ver no texto que integra a publicação deste ano da revista das Correntes d’Escritas.
A partir da Sala de Actos, onde decorria a entrevista de Molina por Fajardo, era possível, através de um écran de televisão (embora sem som) visualizar o à-vontade e a expressividade da autora. Para Julieta Monginho a noção de “fracasso” varia, ainda, de pessoa para pessoa estando, por outro lado, também, dependente de quem define o que é, de facto, “fracasso” ou “sucesso”.
Lélia Nunes (Zumblick, uma história de vida e de arte,1993, 2013; Entre Penas e Pincéis, org.1998, O Italiano em Santa Catarina, 2002; Caminhos do Divino: Um olhar sobre o Espírito Santo em Santa Catarina 2007, 2010, 2ªed.; Na Esquina das Ilhas, 2011), ao afirmar-se como uma escritora que escreve sobre temas que a apaixonam, considera que o conceito de “fracasso” não terá sequer lugar no seu universo. Sendo, no seu caso, a escrita algo de passional e resultado de algo que a apaixona, ao concretizar-se, a mesma escrita torna-se por si só, ao adquirir o formato de livro, incompatível com o a noção de fracasso em si mesma.
Para Paulo M. Morais (Revolução paraíso, 2013; O Último Poeta, 2015; Uma parte errada de mim, 2017; Seja feita a tua vontade, 2017), uma vez que a escrita resulta, no seu caso, do conflito “entre a memória e o fracasso”, a sua materialização na forma de livro será, por si só, uma vitória da primeira sobre o último.
Já no caso de Rodrigo Magalhães (Cinerama Peruana, 2013; Polifonte, pseud. Alberto Cinza, 2015; Os Corpos, 2017) o fracasso resume-se “à impossibilidade de atingir o ideal”, aludindo à síndrome de Bartleby, personagem de Herman Mellville.
Renato Cisneros (Busco Novia, relatos, 2008; La Antiagenda 2010, 2010; Nunca confíes em mí, 2010; Raro, 2012; La distancia que nos separa, 2015; Dejarás la tierra, 2017) tendo escrito um romance de época em que o foco da acção está localizado no seu próprio país, o Perú, Cisneros está convicto de que o que salva um escritor do fracasso, reside na aceitaçãoda própria vocação de escritor, assumindo-se como tal. Reportando-se à origem etimológica da palavra exit, exodus, saída, fim, este seria o contrário do espírito literário..
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VII – A A. ficará para a mesa da noite, levando-me depois a Famalicão, por isso vou conseguir assistir à mesa 8, a mais aguardada do evento, por ser subordinada ao tema que está na ordem do dia: “O politicamente correcto é a nova censura?”. Uma pergunta não apenas retórica mas que assume também um desafio sob a forma de provocação aos participantes.
Enquanto não chegam as 22:00 h a A. e eu jantamos e aproveitamos para colocar a conversa em dia, aludindo à perda recente de uma amiga comum, a escritora famalicense Manuela Monteiro, autora de ficção curta, literatura infanto-juvenil, poesia e que, na altura em que faleceu, havia terminado o seu primeiro e único romance. É a nossa forma de fazer o luto, homenageando-a nodia em que estamos juntas nas Correntes.
Acabamos de jantar e entramos no auditório. A fila é enorme, mas conseguimos ambas lugares sentados, sensivelmente a meio da sala.
O moderador será o artista plástico Henrique Cayatte, que dá a palavra, em primeiro lugar a Daniel Munduruku (Coisas de Índio, 2000; O Diário de Kaxi, 2001; Sabedoria das Águas, 2004; Contos Indígenas Brasileiros, 2005; Catando piolhos, Contando Histórias, 2006, Outras tantas histórias Indígenas da Origem das Coisas e do Universo, 2008), filósofo e Linguísta (Doutoramento e Post-doc). O autor brasileiro acumula conhecimentos de várias áreas do saber, tendo antes feito licenciatura em Psicologia e História e Mestrado em Antropologia. Daniel Munduruku é oriundo da tribo indígena Munduruku que significa “formigas guerreiras”. Sendo este um povo antigo que, historicamente não se preocupa muito com o politicamente correcto, já que tinham por hábito “cortar a cabeça aos inimigos”. Relativamente à questão que é o tema central da mesa, Munduruku explicou que, tendo crescido numa sociedade marcada pelo preconceito e vivenciado o racismo violento, tão presente ainda na sociedade brasileira, não quer deixar de apontar o dedo ao perigo emergente na sociedade brasileira em se cair no extremo oposto. Munduruku alude a uma polémica recente, relacionada com o Carnaval brasileiro deste ano, durante o qual alguns grupos se insurgiram contra as “fantasias de índio”, ou seja, “exigindo que as pessoas não se fantasiassem de índio para não ofender as populações indígenas”. O especielista em Educação e Línguas Indígenas aproveitou a ocasião para alertar para o perigo da vigilância excessiva da moral dos outros”, em particular das redes sociais, e do irrealismo existente quer na concepção romântica do índio, aproximando-o do estereótipo do “bom selvagem” de Rousseau, que na concepção oposta, que vê no índio apenas o rótulo de “selvagem e não civilizado”. Munduruku mostra-se optimista mas não vê, contudo, razão para se baixar os braços. O escritor está convicto que, para destruir esta forma de se olhar as tribos indígenas, há ainda muita estrada a percorrer: “O caminho ainda é longo, enquanto os índios continuarem sendo pouco compreendidos e aceitos. (…) O correcto tem de ser apenas ‘correcto’, não o ‘politicamente correcto’, que diminiu a expressão da nossa subjectividade.”. Munduruku, que na sua carreira de escritor de livros voltados para o público infanto-juvenil já arrecadou os Prémios Jabuti e da Academia Brasileira das Letras, está convicto de que a literatura indígena e o seu imenso património imaterial possui o mérito de trazer novas formas de ler e olhar o outro à sociedade brasileira, destruindo estereótipos ancestrais trazidos pelos colonizadores, que enviesaram de forma acentuada a maneira de olhar o índio: “ao encarar os povos indígenas como defensores da natureza, a sociedade adquire uma perspectiva alternativa de olhar o desenvolvimento unicamente ‘pela lógica do agronegócio ou pela construção de grandes empreendimentos como as hidrelectricas’ ”.
Isabel Lucas (jornalista do Público; autora de Viagem ao sonho americano, 2017), começa por fazer o relato de um episódio da sua viagem pelos EUA, ao visitar a casa-museu do escritor John Updike. O encontro com o guia, encarregue de a levar ao local foi algo insólito, já que, ao encontrarem-se no local combinado, a jornalista se depara com a cara de espanto do americano, que lhe diz frontalmente ter estado à espera, depois de lhe ouvir a voz e o nome ao telefone, de vir ao encontro de uma “judia gorda de Nova Iorque”.
Para evitar gaffes desta natureza, a autora está convencida que é o modelo de educação que as mães passam aos filhos homens que tem que mudar, já que, todos eles começam por ser educados por mulheres, passando a citar uma autora feminista de referência: Chimamanda Ngozie Adichie. Ao citar Adichie, Lucas aborda o tema da igualdade de género, lendo quinze dicas sobre como criar filhos e filhas de um ponto de vista feminista.
Questionada por Cayatte sobre se o critério se deve aplicar à arte, aludindo a episódios de censura aos quadros de Schiele no metro de Londres ou a uma polémica ocorrida há poucos anos, envolvendo a reprodução do quadro A Origem do Mundo de Gustave Courbet na capa de um livro à venda numa feira do livro na via pública em Braga, a autora afirma que “este tipo de constrangimento, quando aplicado a qualquer forma de arte, sim, trata-se de facto de censura; na Arte e na Literatura pode-se estar na cabeça de quem quer que seja; vigiar a arte é outra forma de censura”.
Mário Zambujal (Crónica dos Bons Malandros, 1980, Contos do Fim da Rua, 1983; À Noite Logo se Vê, 1986; Primeiro as Senhoras, 2006; Já Não se Escrevem Cartas de Amor, 2008; Uma Noite não são Dias, 2009; Dama de Espadas: Crónica dos Loucos Amantes, 2010; Longe é um Bom Lugar: o resto são Histórias, 2011; Cafuné: Tropelias do Secretário da Amiga da Aia da Rainha, 2012; O Diário Oculto de Nora Rute, 2013; Serpentina: Odisseia de um Crédulo em Demanda da Bela sem Senão, 2014; Talismã: A Desordem Natural das Coisas, 2015; Romão e Juliana: Como é Diferente o Amor em Portugal, 2016) logo que Cayatte lhe passa a palavra é peremptório: “Se houvesse censura em Portugal, não haveria Ćorrentes d’Escritas”. Por outro lado, está consciente que a liberdade nos nossos dias tem muitos entraves: “censura é uma palavra elástica, [elasticidade essa] que se pode manifestar em ‘tentativas de derivação/desvio’ da liberdade de expressão”. Isto porque, no seu entender, “apareceram, depoi,s novas censuras após o Estado Novo. Antes, durante mais de quarenta anos, nada era publicado sem antes passar primeiro pela censura”. E acrescenta: “O lápis azul abateu-se sobre milhares de livros, sobre a imprensa, sobre qualquer manisfestação cultural”, recorda. Chama, ainda, a atenção para o facto de os jornalistas nos dias de hoje, sofrerem vários tipos de pressão, no sentido de condicionarem as suas publicações: “[Mas] Custa-me mais quando é a própria justiça a fazer isso ou os seus agentes a manipular a informação”.
Rodrigo Guedes de Carvalho (Daqui a Nada, 1992; A casa Quieta, 2005; Mulher em Branco, 2006; Canário, 2007; O Pianista do Hotel, 2017 ) decide não arriscar ser politicamente incorrecto porque ficou a saber “que o Daniel [Munduruku] cortava cabeças” e, por isso decide ficar quieto, no seu lugar, e falar só na sua vez, sem interromper ninguém”, provocando gargalhada geral na plateia. Não resiste, no entanto, a pontar três críticas ao chamado “politicamente correcto”, sempre que esta forma cortês de alguém se comportar, assumir a forma de censura. Trata-se de três críticas dirigidas “à estupidez” (sic):
- Em primeiro lugar, “não há perigo maior do que o combate ao Estúpido”, precisamente por ser extremamente difícil lidar com pessoas estúpidas.
- Em segundo lugar, porque “o politicamente correcto [na sua forma censórea] nasce sempre da estupidez “sobretudo quando assume a forma de punição ou proibição; o Estúpido é apenas ‘orelhas ofendidas’. Como exemplo, refere uma cena que presenciou num transporte público em que uma mãe, ao tentar travar uma birra monumental do filho, e que a prmeira coisa que lhe ocorre dizer para bloquear o comportamento indesejado é ‘não sejas mariquinhas’. A senhora é, em seguida, verbalmente linchada pelos outros utilizadores do transporte. A mãe vê-se subitamente desautorizada no seu papel de mãe, e a criança, reforçada, no seu comportamento negativo.
- Em terceiro lugar, o politicamente correcto, quando dirigido à Arte, é estúpido porque absolutamente prejudicial e mutilador da criatividade uma vez que: “o politicamente correcto quer uma arte feita de eufemismos, quer ‘a arte do beige’, ironiza. E para exemplificar utiliza o exemplo da literatura, descrevendo a situação de um leitor que vem ter consigo, a dizer que gosta muito do livro, que quer que lho assine, mas censura-lhe o palavrão no discurso de uma das suas personagens:
– Mas…a cena era boa?
– Sim…! Mas o palavrão…
– Mas o palavrão está em consonãncia com as características da personagem? Com o meio em que vive?
– Sim…Mas essas coisas não se escrevem.
“A arte do beige”, conclui. Ao autor assalta-lhe uma irresistível vontade de retrucar: “É Literatura, Estúpido!”. Politicamente incorrecto, pois.
E define o que é para si literatura: “A minha estética literária serve uma visão cinematográfica. Não classifico como literatura um trabalho que não aposte na estética. Mas também não aposto no estilo esvaziado de sentido (…)”.
A última intervenção da mesa foi a Rui Zink, autor de obra extensíssima de ficção, sem contar com os géneros Teatro, Ensaio e Novela Gráfica (Hotel Lusitano, novela) 1987, 2011; A realidade agora a cores, contos,1988; Homens-aranhas, novela,1994; Apocalipse nau, novela, 1996; A espera, novela, 1998, 2007, A realidade agora a cores II, contos, 1998; O suplente, romance, 1999, 2004; Os surfistas, romance interactivo, des. de Manuel João Ramos, 2001, Histórias para ler à sombra, contos em colaboração com vários, 2003; Até ao oriente & outros contos para Wenceslau de Moraes, contos, org. vários autores, 2004; Dádiva divina, romance, 2004, 2007; O bicho da escrita, conto, 2004; A palavra mágica, contos, 2005; O Anibaleitor, novela, 2006; A Espera, novela, 2007; O destino turístico, romance, 2008; O amante é sempre o último a saber, romance, 2011; A instalação do medo, romance, 2012; A metametamorfose e outas fermosas morfoses, contos, 2014; Osso, novela, 2015, O livro sagrado da Factologia, romance, 2017).
Excelente comunicador (tal como Isabela Figueiredo, numa das mesas da tarde), Rui Zink, completou o raciocínio do interveniente anterior, colorindo-a com o seu humor corrosivo: mais tarde, já no debate, perceber-se-á que Zink e Guedes de Carvalho chegam à mesma conclusão, mas por vias diferentes: se por um lado Guedes de Carvalho critica a intromissão da moral no pensamento crítico, na criatividade e na estética, a perspectiva filosófica de Rui Zink assenta sobretudo na ética como fiel da balança, sem deixar de se usar a arte como agente provocador de mudança: “Antes de mais, quero dizer que quem luta contra o ‘politicamente correcto’ está a lutar contra fantasmas porque, que eu saiba, não há sequer um ideário do politicamente correcto. (…)
Além do mais, este ódio ao ‘politicamente correcto’ implica que, antes, tenha havido uma idade do ouro, onde todos tivéssemos sido muito felizes…”
Para Rui Zink “o trabalho de um escritor não é apenas ‘ser criativo’; é, também, ser crítico. A arrogância da indignação pode mutilar uma e outra.” Para prová-lo, o autor mostra que a “estupidez” de que falava Rodrigo Guedes de Carvalho pode estar “dos dois lados”, colocando Donald Trump ( do lado do politicamente incorrecto) e Justin Trudeau (do lado do politicamente correctíssimo) nos dois extremos do mesmo continuum, um ostentando a bandeira da boçalidade, a chefiar os EUA e outro caindo por vezes em exageros discursivos, massacrando inclusive a sintaxe e a língua no seu papel de Presidente do Canada na tentativa impossível de contentar tudo e todos ( autor, ainda assim, prefere Trudeau). Outro exemplo, ainda mais ilustrativo, seria a diferença entre a percentagem de estupidez entre os discursos maoístas e os discursos nazis (diferença bastante mais atenuada que o exemplo anterior) que “lembram o choradinho do do rufião: quando pisa os calos do outro não lhe dói” (aqui vê-se que o autor poderia ter usado a piada da pimenta, mas por não estar disposto a ir contra o seu posicionamento anti-politicamente incorrecto, preferiu uma versão menos hard core). Posto isto, Rui Zink está plenamente convencido de que a Grande Ditadura, a que atenta contra os direitos das pessoas, e contra as regras básicas para se viver em sociedade, é mesmo a do politicamente incorrecto: Para exemplificar, recordou o massacre de quatrocentas pessoas em 1953, na ilha de S. Tomé, oito anos antes de se iniciar a Guerra Colonial. Não se tratou, portanto, sequer de um crime de guerra, mas tão somente um holocausto.
E assim terminou o penúltimo e mais longo dia das Correntes d’Escritas já com um pé no sábado e a cheirar a fim de semana. Mas dificilmente haverá, até ao fim do evento, uma mesa com um tema tão quente como este, com a sala a abarrotar, apesar do frio de Fevereiro.
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Imagens: arquivo da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim
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