O potencial poder aditivo dos videojogos

O potencial poder aditivo dos videojogos

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A procura de entretenimento sempre foi uma necessidade do ser humano. Ao longo da história, foram várias as formas que homens e mulheres encontraram para poder desfrutar do prazer de momentos de lazer. Os videojogos constituem uma forma de conceber entretenimento, propiciar momentos de alegria e lazer aos seus utilizadores, beneficiando dos avanços na tecnologia, da informática ou Internet, para criar um contexto de grande atratividade visual que permite ao utilizador passar de mero espectador a protagonista da ação.

Este tipo de jogos online, tem sido dividido em duas categorias:

a) o jogo online sem ser a dinheiro, que se define como gaming, sendo os jogadores deste tipo específico, os gamers; e

b) o jogo online a dinheiro- que se define como gambling, que se subdivide essencialmente, em apostas desportivas, póquer e casinos virtuais (Hubert, 2016).

Crescente necessidade de rutura com a realidade do dia-a-dia

Centrando especialmente nos primeiros, os videojogos têm-se tornado cada vez mais populares, e são hoje uma das mais importantes atividades de lazer para crianças, adolescentes e adultos. Existe uma diversidade muito grande de jogos de vídeo e de jogos «sem ser a dinheiro», muito popular e representativa, que vão desde os jogos de demonstração, jogos em redes sociais, a jogos de estratégia (MMORPG- massively multiplayer online role-playing games). Em geral, estes videojogos permitem a milhares de jogadores interagir entre eles, no mundo virtual em simultâneo. São jogos diferentes dos tradicionais. Nos videojogos tradicionais, seja qual seja a sua modalidade (consola, computador), o jogador joga sozinho contra um programa de consola ou computador. Nos jogos MMORPG, os jogos acontecem em realidades virtuais, oferecem possibilidades amplas e variadas de entretenimento, em que os jogadores criam uma personalidade chamada avatar (Young, Abreu & cols, 2011). São jogos em que a pessoa desempenha um papel na internet, na fantasia, em que vários milhares de jogadores de todo o mundo estão presentes ao mesmo tempo, em que cada jogador controla o seu personagem, tendo diversas capacidades e tarefas, e vai interagindo com as personagens dos outros jogadores em atividades de agressão ou de aliança com o objetivo de se fortalecer, para que a sua personagem continue evoluindo indefinidamente. A pessoa pode explorar um vasto mundo, que tem um carácter constante – ele continua a existir mesmo quando o jogador deixa de jogar e estar ligado na internet, no mundo virtual. Este mundo está sempre em desenvolvimento, desvalorizando a presença do jogador, o que pressiona a continuar em contacto com o mundo virtual. Se o jogador se ausenta por um tempo mais longo ao perder o contacto com o mundo virtual, perde a sua influência e o poder de afetar esse mundo. E também perde poder comparativamente aos outros jogadores que jogam com maior frequência e avançam mais rápido (Young, Abreu & cols, 2011).

As principais motivações deste tipo de jogadores prendem-se com a realização e progressão nas competências, a habilidade nos mecanismos do jogo e seus avanços, a dimensão social e o compromisso que este estabelece com os outros e o estatuto alcançado, e por fim, a evasão/ imersão que representa tanto o mergulhar no mundo da fantasia, como a forte identificação com a personagem, priorizando relações on-line, com uma crescente necessidade de rutura com a realidade do dia-a-dia.

Atratividade da componente social virtual pode ser nociva, problemática e potencialmente aditiva

Aqui o âmago da questão são as recompensas, em que os jogadores tentam ganhar pontos, créditos, prémios. Quanto mais fáceis de obter, rápidas e intensas forem, mais forte será a sua relação com o comportamento. Os jogadores (gamers) obtêm fortes recompensas (retorno emocional positivo) e, como tal, forte motivação no que respeita a: estatuto, autoestima, alheamento, euforia, diversão, perícia e sensação de poder e controlo, amigos e uma vida melhor. (Hubert, 2014).

O sucesso no jogo está frequentemente ligado à presença prolongada e diária no jogo. É o fim ilimitado do mundo, a impossibilidade prática de terminar o jogo e a ênfase na comunicação e cooperação com outros jogadores, que torna os jogos MMORPGs diferentes dos jogos de computador tradicionais. A maior diferença entre os jogos online e outros jogos de computador/consolas é notável na intensidade do jogo. Este mundo virtual nunca está parado, o seu desenvolvimento é irreversível, uma vez que o jogador participa num enredo. Quanto mais tempo estiver envolvido, mais acompanha o desenvolvimento e mais progride e ascende ao protagonismo (Young, Abreu & cols, 2011).

A componente social virtual, o tempo e a energia investidos são fatores de elevado risco para a dependência. É exatamente neste terreno misto de competição com os outros e de reconhecimento pelos outros num mundo virtual que se desenvolve uma atratividade que pode ser nociva, problemática e potencialmente aditiva.

Sintomas e sinais de alerta

Em Maio de 2013, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) incluiu pela primeira vez no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5) (o manual de diagnóstico de perturbações mentais mais utilizado por psiquiatras e psicólogos a nível mundial), o fenómeno da “ Perturbação de Jogos de Internet” (também referida como perturbação de uso de Internet, adição à internet ou adição a jogos) (APA, 2013). Também na revisão recente do sistema de classificação de doenças, a Organização Mundial de Saúde (OMS), lançado para a discussão pública em 2016, decidiu incluir o fenómeno da adição aos videojogos na revisão (11ª) do seu manual diagnóstico – Classificação Internacional de Doenças (CDI) – devido ao crescente acumular de evidência científica a confirmar os efeitos nocivos do uso desregulado e excessivo dos videojogos. A inclusão da patologia de jogos de internet veio facilitar nesta medida o diagnóstico e o tratamento de quem usa excessivamente este tipo de jogos. Após uma monotorização desta perturbação feita ao longo dos anos, a OMS decidiu que a adição ao jogo pode ser considerada um problema de saúde mental. Embora não tenha sido lançada a definição final, sabe-se que a adição aos videojogos é caracterizada por um padrão de jogo excessivo e prolongado, em que a participação em jogos de computador é persistente e recorrente, tipicamente jogos de grupo, durante muitas horas. Estes jogos envolvem competição entre grupos de jogadores que participam em atividades estruturadas complexas que incluem um aspeto de interação social significativa durante o jogo, que leva a défices ou mal-estar clinicamente significativos indicado por 5 ou mais dos seguintes sintomas/sinais de alerta, num período de 12 meses (APA, 2013):

.1- Preocupação com jogos de internet: o videojogo torna-se um interesse obsessivo, o indivíduo pensa sobre atividades de jogo prévias ou antecipa a realização do próximo jogo; jogar na internet torna-se a atividade dominante da vida diária;

2- Sintomas como irritabilidade, explosões de raiva, ansiedade ou tristeza quando a experiência de jogo é subitamente retirada/interrompida;

3- A necessidade/vontade crescente de cada vez mais tempo para jogar;

4- Tentativas mal sucedidas de controlar a participação em jogos de internet;

5- Perda de outros interesses, passatempos e atividades de entretenimento que outrora foram sentidos como tais;

6- Uso excessivo continuado de jogos apesar do conhecimento dos problemas familiares, escolares/profissionais e sociais;

7- Mentir relativamente ao tempo que esteve a jogar;

8- Uso de jogos para fugir/evitar ou aliviar emoções negativas (sentimentos de desesperança, tristeza, culpa, ansiedade);

9- Criar conflitos e até perder relações com amigos e familiares, ou mesmo empregos/oportunidades educacionais/carreira devido à participação em jogos.

Uso excessivo aumenta a atividade cerebral

A internet é apenas um meio que alimenta outras adições online, pelo que a distinção entre “adição à Internet” e “adições na Internet” deve ser feita. A perturbação de jogos de internet ou de jogos sem recurso à internet pode ser ligeira, moderada ou grave, dependendo do grau de disrupção das atividades normais. Os indivíduos que apresentam uma perturbação de jogos de internet grave terão mais horas gastas no computador e perdas significativas nas relações ou desempenho escolar. Tipicamente dedicam a esta atividade oito a dez ou mais horas por dia e pelo menos trinta horas por semana. Se forem impedidos de usar um computador e de voltar a jogar tornam-se agitados e zangados. Passam muitas vezes períodos sem comer ou dormir. As obrigações normais como a escola, o trabalho ou compromissos pessoais e familiares são descuidadas (APA, 2013).

O uso excessivo de videojogos e jogos de computador e internet é um comportamento que tem sido estudado sob o prisma dos comportamentos aditivos, tal como o jogo patológico, demonstrando similaridades com as dependências com substâncias. Isso prende-se, principalmente, com o facto de as áreas do cérebro que respondem aos estímulos de videojogos serem similares às áreas de pacientes dependentes de substâncias. É relatado que o uso excessivo desses jogos aumenta a atividade cerebral, particularmente no córtex pré-frontal, semelhante à fase de fissura dos dependentes químicos. Indo mais além, resultados já mostram que indivíduos dependentes de videojogos sofrem alteração no neurotransmissor dopamina (Lemos & Santana, 2011).

Adolescência é período de maior risco

Desde há vários anos que o excessivo tempo em frente das consolas de jogos ou do computador tem motivado a atenção dos cientistas e a preocupação dos pais, alertados para os perigos da falta da socialização, para o aumento da agressividade ou mesmo para os problemas de obesidade na adolescência criados pela ausência prolongada de mobilidade. Para a maioria dos adolescentes, jogar videojogos no computador, consola ou dispositivo portátil ocupa apenas parte do seu dia. Sabemos que a adolescência é um período de maior risco, uma vez que as crianças e adolescentes vivem num mundo cada vez mais inundado pelas novas tecnologias e têm nelas um importante instrumento de socialização.

Situação em Portugal

Em Portugal, são ainda muito limitados os estudos nesta área, contudo, os poucos estudos que foram realizados com amostras portuguesas alertam para a problemática do jogo patológico como um problema emergente no nosso país (Calado, Alexandre & Griffiths, 2014). Dados recolhidos em 2014 indicam que é superior o peso dos jogadores patológicos online, nos grupos etários dos 16-20 anos e dos 21-25 anos (Hubert & Griffiths, 2014), conduzindo a uma reflexão em torno do jogo patológico nos mais jovens.

Sinais desta preocupação podem ser encontrados num estudo de Ivone Patrão e da sua equipa (2015), sobre o comportamento online de 1452 jovens. Os dados permitem perceber que, em média, os jovens começaram a usar a internet por volta dos 8 anos, passam em média 6 horas por dia online para atividades de lazer, 25 horas por semana para socializar com os pares e 7 horas por semana para estudar. As atividades online preferenciais são as redes sociais (62.2%), a multimédia (ex: youtube, séries) (23.9%) e os videojogos (16.2%). O tempo que os jovens passam online, segundo eles, retira-lhes tempo para outras atividades que consideram importantes, designadamente, família, atividades desportivas e lúdicas, dormir, fazer refeições. Verificou-se também que a Internet é usada como estratégia de refúgio para problemas emocionais (65.3% jovens) e que a maioria se considera dependente daquilo que faz na internet (69.%). A este propósito, os dados têm vindo a evidenciar associações deste fenómeno com maior incidência de sintomatologia depressiva, stress, autoestima reduzida, maiores níveis de ansiedade, problemas do sono, pior desempenho académico, redução do tempo despendido em atividades importantes como o trabalho, escola, hobbies e socialização com amigos, namorado(a) e família, sendo que, os adolescentes do sexo masculino são um grupo de maior prevalência e risco (Halley & Griffiths, 2014).

Projecto Homem prepara resposta às adições sem susbtâncias psicoativas

Vila NOva Online | Isabel Pinheiro - Vícios - O poder aditivo dos videojogosFace a esta preocupação, o Centro de Solidariedade de Braga – Projecto Homem está a criar uma resposta que visa atuar no âmbito das dependências, especificamente uma resposta especializada e diferenciada no acompanhamento e tratamento das mais variadas patologias a que se encontram associados comportamentos aditivos, nomeadamente, as adições sem substâncias psicoativas. Está vocacionada e orientada para responder essencialmente a problemáticas com o jogo abusivo e patológico (online e presencial), videojogos (gaming), uso problemático de internet e redes sociais, procurando tratar sintomas físicos, psicológicos e comportamentais derivados dos quadros aditivos.

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Referências

Blinka, L., & Smahel, D. (2011). Dependência virtual de role-playing games. In Young, K, Abreu, C.N. & colaboradores. Dependência de Internet- Manual e Guia de Avaliação e Tratamento. Porto Alegre: Artmed Editora.

– Calado, F., Alexandre, J., & Griffiths, M. (2014). “Mãe, pai, é apenas um jogo! Percepções sobre o jogo e motivações para jogar numa amostra de adolescentes e jovens portugueses: um estudo exploratório. Actas do IX Congresso Iberoamericano de Psicologia- 2º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses.2014.

– Griffiths, M. & Fargues, M. (2008). Adiccion a los videojuegos. Uma breve revisión psicológica. Revista de Psicoterapia. Vol. XIX (73), 33-49.

– Hubert, P. & Griffiths, M. (2014). Jogadores patológicos online e offline: caracterização e comparação. Tese de doutoramento em psicologia.

– Hubert, P. (2016). O problema do jogo- o tratamento da dependência invisível- dos videojogos à mesa de casino. Lisboa: Plátano Editora.

– Lemos, Igor L., Santana, Suely M. Dependência de jogos eletrônicos: a possibilidade de um novo diagnóstico psiquiátrico. (2012). Revista de Psiquiatria Clínica, 39(1), 28-33.

– Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DMS-5). (2013). American Psychiatric Association (APA). Climepsi Editores.

– Pontes, Halley M. & Griffiths, Mark D. (2014). A dependência à internet no contexto português: Mito, ficção ou realidade? Actas do IX Congresso Iberoamericano de Psicologia – 2º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses.2014.

– Patrão, I., Machado, M., Fernandes, Pedro A. & Leal, I.. (2015). Jovens e Internet: Relação com o Bem-estar psicológico, isolamento social e funcionamento familiar. Actas do 13º Colóquio de Psicologia e Educação. 241-249..

Obs: São co-autores deste artigo Flávia Ferreira, Paulo Dias, Sara Leite e Sofia Silva, membros do  Departamento de Inovação, Desenvolvimento e Inovação do Projecto Homem..

Ligações:

Projecto Homem – Braga

Projecto Homem – Braga (facebook)

Projecto Mais Vale Prevenir – Vila Nova de Famalicão (facebook)

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Imagens: Passos Zamith – An by An

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Acerca do Autor

Isabel Pinheiro

Isabel Maria Simões de Sá Teixeira Pinheiro é psicóloga no Centro de Solidariedade de Braga - Projecto Homem (Braga) e do Projecto Mais Vale Prevenir que esta instituição desenvolve em Vila Nova de Famalicão. Membro do Departamento IDI- Departamento de Investigação, Desenvolvimento e Inovação. Dinamizadora do Programa de Educação Parental- “Mais Família- Mais Jovem.”

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