Portugal hoje: a Nação, Deus e o Diabo

Portugal hoje: a Nação, Deus e o Diabo

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Descrédito.

Se há palavra que tão sucintamente, porém criteriosamente, permita definir, no presente, o estado da tão nobre nação portuguesa, e de seus povos, é “descrédito”.

Portugal, o “jardim à beira-mar plantado”, possuidor e agente de uma das Histórias mais ricas a nível mundial, atinge o ponto de saturação e rotura com as suas classes, com a sociedade. E permito-me afirmá-lo pelo simples facto de que o descrédito se nos apresente, hodiernamente, como algo com o que sintamos que temos (e devemos!) de viver!

Confesso que este descrédito me vem assolando de há remotos anos para cá; reconheço até que tão pouco pensava, até há algum tempo atrás, escrever sobre isso. O próprio descrédito que, aos poucos, me fez abandonar o cepticismo, desmotivava o ensejo de escrever. A venustidade do paradoxo!. A decadência da sociedade e dos valores que pratica e/ou lhe são incutidos, é algo que (surpreendentemente?) tem vindo a ser cada vez mais notório e, ao estilo de “bola de neve”, parece não só não ter fim como a aumentar exponencialmente o seu volume: a normalidade dos inaceitáveis comportamentos da sociedade em que vivemos e o habitualismo com que estes são frequentemente tolerados; o desinteresse da sociedade para com o próximo, para com as condutas e procedimentos que regulam uma sã convivência e, ainda que o não fizesse, que se apresentam (ou apresentariam) como fundações para a honestidade e a bondade, características de distinção da alma; o ultrapassar de barreiras e limites, perpetrando aviltantes actos contínuos de desrespeito e indecoro com aqueles que nos são, tantas vezes, mais próximos…

Entre tantos outros (e tão facilmente observáveis!) comportamentos, a leviandade com que estes se tratam e apresentam em sociedade, é algo aterrorizador.

É preciso, é essencial que nos recordemos, a toda a hora, que para que as armas matem, é preciso que alguém prima o gatilho. E essa responsabilidade, a própria destreza do acto, é nossa, do Homem. Inteiramente. E provém dos nossos comportamentos; dos nossos princípios.

Portugal tem sido, de há tantos (demais!) anos a esta parte, neste capítulo, uma espécie de ex libris.

Assim, fazendo uma célere ponte entre os comportamentos acima descritos e a conduta comportamental da sociedade (porque a verdadeira ponte deve ser estudo de teses sociológicas), propõe-se que se entenda o seguinte facto: De há uns anos a esta parte, todos os assuntos, mais ou menos sérios, com que os portugueses se deparam, são discutidos numa lógica futebolística (e eu sou um manifesto adepto do desporto).

O importante, hoje em dia, deixou de ser o conteúdo dos assuntos, mas a cor. A verdadeira essência dos temas é se a cor é azul, vermelha ou verde; se favorece mais o Porto, o Benfica ou o Sporting. A cor, em exercícios silogísticos adequados consoante o assunto e a orientação, sobrepõe-se à essência. Pior do que isso, sobrepõe-se aos princípios, aos costumes, à educação, à seriedade, à hombridade. Espalha e ateia o descrédito.

E poucos se importam.

Porquê? Porque o descrédito, tal como as flores, as ervas e os alimentos numa pequena horta familiar, é pacientemente semeado com o objectivo de recolher os produtos ao fim de algum tempo. Produtos propositadamente semeados com aquele fim.

E a “discussão futebolística” dos assuntos, transmitida em tantos e (supostamente) diferentes canais televisivos e que, constante e diariamente invade os nossos lares, é o semear para colher.

Só assim, com a implementação desta ideologia, é possível que os responsáveis pela gestão do nosso País, possam tomar decisões ultrajantes e proferir declarações noutras circunstâncias tão injuriosas para o povo; só assim se entende que membros das mais altas e prestigiadas (?) classes do nosso País, como juízes ou políticos, possam cometer ilegalidades de tão infame dimensão e prossigam como se nada tivesse acontecido.

O País foi “futebolizado”; e os resultados estão à vista, sem que alguém os queira ver!

É-me indiferente que se fale de viciação de resultados no campeonato nacional de futebol ou até no aliciamento aos árbitros (conquanto que os responsáveis pela prática de actos ilícitos sejam devidamente punidos, entenda-se!). Passo bem sem o futebol.

O que já não me é indiferente, e ainda que assolado pelo descrédito me revolta, é que um juíz desembargador seja suspeito de corrupção e que coloque em causa todo o sistema judicial. O povo português não merecia tamanha desfeita! Rui Rangel, ao alegadamente incutir na prática de actos criminosos, coloca em causa toda uma classe, todo um sistema, toda uma História. E, ao provar-se o seu envolvimento, deverá ser criteriosa e exemplarmente punido. Para o bem da Nação!

Não posso, evidentemente, deixar passar em claro as declarações do mesmo Rui Rangel, em 2015, quando, com toda a leviandade e moral afirmou que “os juízes, infelizmente, não sabem ser membros de um poder soberano, agem com mentalidade de funcionários públicos. São a classe menos confiável em Portugal“. Julgou os outros pela sua postura. E acertou em cheio, no julgamento em causa própria!

Ora, falando em julgamento em causa própria, para finalizar, tive oportunidade de ler a entrevista que Jerónimo de Sousa, o querido líder do Partido Comunista Português, deu ao Público e à Rádio Renascença. Mais um acto cénico apenas possível pelas supra referências ao descrédito, em que Jerónimo afirma que “não se pode estar bem com Deus e com o diabo”. Não fosse tão grave, provocaria soluços de tanto rir.

Jerónimo de Sousa acha que “não se pode estar bem com Deus e com o diabo” e, em simultâneo, pasme-se, faz parte de uma aliagem mecânica e instrumental em que o seu papel é precisamente esse!

O Partido Comunista Português que apoia a nacionalização das empresas é, ao mesmo tempo, parceiro de um Governo que promove a Web Summit com pompa e circunstância;

O Partido Comunista Português que se designa apoiante da classe trabalhadora aprova, ao mesmo tempo, um Orçamento de Estado “pouco favorável para os trabalhadores”;

O Partido Comunista Português que assume que defende a reposição de rendimentos abstém-se, ao mesmo tempo, de criticar ferozmente, como é seu apanágio e modus operandi, nestas situações, a eleição de Centeno como Presidente do Eurogrupo.

E seriam tantos mais os exemplos!

Mais do que isso, Jerónimo, o tal líder que não condena o regime venezuelano ou norte-coreano e até neles se revê, e que em mandatos anteriores exigiu, incessantemente e pelos mais infames dos motivos, a demissão de Ministros, Secretários de Estado e outras patentes, com uma convicção desmesurada, esqueceu-se, convenientemente, de agir da mesma forma após a tragédia de Pedrógão Grande; afirma ainda, na mesma entrevista, que o PCP não faz “leituras políticas” dos casos de justiça e que “o lugar do Ministro das Finanças não está em causa”.

A cassete é a mesma, mas a dança varia consoante a música. É o descrédito que o permite.

Que bem prega Frei Tomás…

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Categorias: Política

Acerca do Autor

João Nascimento

Manuel João Fernandes de Nascimento, nascido em 1983, natural de Fão, Esposende, reside na Freguesia de Nine, onde exerce atualmente o cargo de Secretário da Junta de Freguesia desde 2013. Desde cedo envolvido no movimento associativo e na política concelhia e distrital, foi deputado à Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 2005 e 2013 e membro da Assembleia de Freguesia de Nine no mesmo período. É licenciado em Engenharia Civil pela Universidade do Minho. Interessa-se por Engenharia, Música, Leitura (Literatura), Viagens, História e Desporto. Tem na família e amigos mais próximos o seu principal pilar.

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