História, cultura, património e inovação das azenhas, moinhos e açudes no Vale do Ave: Expansão (Sécs. V – XIII)
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Azenhas, moinhos e açudes no Vale do Ave
Ainda está por apurar a origem dos moinhos hidráulicos no Vale do Ave. (…)
Sabemos que a moagem de cereais era um processo utilizado pelo homem já no período Neolítico. Nos diversos castros e cividades da região – (…) Penices em Vila Nova de Famalicão (…) – foram encontradas peças destinadas à moagem de sementes e grãos.
Como vimos anteriormente no texto referente à «Origem» existe uma forte probabilidade das azenhas terem sido introduzidas no nosso território durante o período de ocupação romana. «Visto que a tecnologia romana se distribuía igualmente, do Oriente à Bretanha, não há nenhuma razão para que não tenha existido um grande número de moinhos hidráulicos na Lusitânia e em toda a Península Ibérica, só que não soubemos, até agora, reconhecê-los».i
Gama Barros admite que durante as invasões Bárbaras os Visigodos consideraram os moinhos hidráulicos de uso vulgarizado na Península Ibérica durante o séc. V «porque a legislação avulsa e o Código Visigótico, do séc. VII, referem-se a eles».ii Contudo, existe a ideia generalizada que os moinhos hidráulicos impuseram-se, verdadeiramente, na Europa durante o período medieval expandindo-se com o Feudalismo. De certo modo esta ideia verifica-se entre nós. A partir do séc. X surgem inúmeras referências documentais sobre contratos, doações, emprazamentos e foros referentes a azenhas e moinhos em Portugal.
O documento mais antigo que menciona a existência de uma azenha em Portugal está datado do ano 906 e diz respeito à diocese de Braga: «Composição entre o Bispo de Coimbra e o de Iria sobre a Igreja e villa de Santa Eulalia, situada em Selva Escura, onde chamavam Aguas Santas. Na divisão, que se faz das terras, ha pomares, vinhas, campos de linho, azenhas».iii
No período compreendido entre os sécs. X-XIII, verificamos uma considerável expansão de azenhas e moinhos do Norte ao Sul do território.i Muito contribuiu o reino que explorava os tributos decorrentes da sua utilização e as ordens religiosas, nomeadamente – os Beneditinos e Cistercienses -, que implementaram para seu benefício engenhos hidráulicos construídos com base no sábio conhecimento tecnológico importado do Norte da Europa. No Vale do Ave isso foi evidente. Os mosteiros da região com as suas vastas áreas de jurisdição – cercas e coutos – (Landim – Vila Nova de Famalicão; S. Bento – Santo Tirso; S. Salvador – Vila do Conde, entre outros), aproveitaram os cursos de água para instalarem azenhas e moinhos, sobre os quais, obtinham rendimentos através dos foros e emprazamentos cobrados aos utilizadores.
O reino durante o séc. XIII demonstrou interesse em explorar os recursos hídricos e foram várias as autorizações e conceções dadas para a instalação de azenhas, nomeadamente, no Vale do Ave. No reinado de D. Afonso III foi estabelecido a Maria Oriz o «Afforamento de Moinhos no lugar de Villa Boa Termo de Vermoim»,i em Vila Nova de Famalicão, ao que tudo indica no rio Pele. No mesmo período foi estabelecido a André Martins o «Afforamento de Azenhas junto a Ponte de Rio d’Ave»,ii em Vila do Conde.
Igualmente no rio Ave aparecem referências durante o reinado de D. Dinis, concretamente uma autorização régia concedida a Aldara Martins, em 1295, para construir uma Azenha num «lugar em rio Ave sobre a pena da Maganha»,i na Trofa. Neste período D. Dinis elaborou 38 cartas a autorizar a construção de azenhas, ao que se somam outras 10 cartas referentes a doações, perfazendo um total de 48 azenhas ministradas pelo reino no final do séc. XIII.ii Este número expressa bem o interesse do reino no empreendimento e exploração da atividade. Além disso demonstra claramente que o séc. XIII foi um período marcado pela expansão das azenhas em Portugal.
Os Mosteiros também desde cedo apostaram no empreendimento de azenhas e moinhos no Vale do Ave. Na análise às Inquirições de 1258 realizadas ao Mosteiro de S. Salvador de Vairão, Alcina Martins indica a existência de uma Azenha no rio Ave que pertencia aos bens patrimoniais do Mosteiro. Também o Mosteiro de S. Bento, em Santo Tirso, disponha de azenhas no rio Ave já no séc. XIII, como sugere Francisco Carvalho Correia. Os monges Beneditinos «recusam a navegabilidade do Ave pela presença acentuada de azenhas e caneiros ou açudes. Já destas coisas havia ali mesmo, as do mosteiro!… Tão antigas, como a história mesmo da casa religiosa».i
Esta constante aposta na construção de azenhas e moinhos no Vale do Ave pelo reino e ordens religiosas continuou a um ritmo elevado até ao séc. XVI.i Após os Descobrimentos um novo impulso é gerado e a implantação de azenhas e moinhos intensifica-se, transformando o território do Vale do Ave num grande polo pré-industrial, como veremos no próximo artigo – «Apogeu»..
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iMATOS, R. Bruno; BARATA, Francisco, passim «Azenhas do Ave – História, Território e Arquitetura Aquática-Fluvial» in 2º Congresso Internacional de História da Construção Luso-Brasileira – Culturas Partilhadas, Vol. 1º, Rui Póvoas [Ed.], João Mascarenhas Mateus [Ed.], CEAU – FAUP Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, Porto, 2016, pp. 343-355.
iCORREIA, Francisco Carvalho, Mosteiro de Santo Tirso: Elementos Para a História da Arte, Vol. 5º, Câmara Municipal de Santo Tirso, Braga, 2013, p. 227.
iArquivo Nacional da Torre do Tombo.
iiSILVA, Vasco Jorge Rosa da. Sistemas de Moagem Hidráulica – Azenhas No Tempo de D. Dinis, Opúsculos, 3, Edições Ecopy, Porto, 2008, p. 28.
iArquivo Nacional da Torre do Tombo.
iiArquivo Nacional da Torre do Tombo.
i Cf. GIL, Maria Olímpia da Rocha. «Engenhos de Moagem do Séc. XVI (Técnicas e Estruturas)» in Obras de Maria Olímpia da Rocha Gil. Vol. 1º, Documenta, Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais – Direção Regional de Cultura, s/l, 1997, pp. 9-26.
i BRUN, Jean-Pierre. «Um Primeiro Moinho Hidráulico Romano na Península Ibérica, em Conimbriga» in Portugal Romano – A Exploração dos Recursos Naturais. Museu Nacional de Arqueologia, Ministério da Cultura, Lisboa, 1997, pp. 30-31.
ii OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim. Tecnologia Tradicional Portuguesa – Sistemas de Moagem. Etnologia 2, INIC – Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos de Etnologia, Lisboa, 1983, p. 78.
iii BARROS, Henrique da Gama. História da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV. Tomo II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1885, p. 315.
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Imagem: DR
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