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O dia 30 de agosto ficou marcado pela primeira greve na AutoEuropa, fábrica de Palmela que representa mais de 1% do PIB português e que é conhecida pela boa articulação entre a comissão de trabalhadores e a administração da empresa (notemos que, em 26 anos, esta foi a primeira greve). Os protestos do mês de agosto, que se mantêm com greves decididas para fevereiro, foram marcados pelos jogos de poder entre os sindicatos sob influência do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, mas tiveram como motivo a decisão de trabalho obrigatório ao sábado por forma a conseguir a produção de um recente modelo da empresa. A consequente impossibilidade dos trabalhadores gozarem este dia de descanso em família foi o argumento verbalizado para a necessidade de maior negociação.
O tempo de trabalho e para a família nunca é suficiente
Para lá dos detalhes daquele contexto específico, a questão levantada por esta polémica é pertinente: não está em causa a garantia de um dia de descanso, que é assegurado por folgas em dias da semana, mas a anulação de um dia que pode ser passado em família, quando a companheira ou o companheiro estão igualmente de folga e os filhos não se encontram na escola. Atendendo aos dias terrivelmente preenchidos que a sociedade atual nos impõe – marcados por horários de trabalho que se prolongam para o final da tarde, a imprescindível ajuda dos avós no cuidar dos filhos e as inúmeras tarefas domésticas que a vida familiar comporta –, o tempo parece nunca chegar. Mais uma vez, faz sentido regressar a George Orwell e a 1984: importa que as pessoas estejam ocupadas, importa que sobre muito pouco tempo para as atividades da esfera privada e, sobretudo, para a reflexão, não vá esse tempo livre fazer-nos pensar que há qualquer coisa de errado com o estilo de vida atual. Atendendo à lufa-lufa do dia-a-dia, os fins-de-semana adquirem um caráter quase sagrado e não é, por isso, difícil de entender que os trabalhadores denunciassem a situação nos termos estipulados como injusta.
Não haverá vantagens para os empregadores com o descanso familiar?
Mas discutir este problema implica também considerar que muito do que queremos fazer para aproveitar esses dias em família significa cobrar a outros a perda do seu próprio dia de descanso em família. Pensemos na restauração e no comércio, áreas que vivem sobretudo dos momentos de lazer daqueles que não estão a trabalhar. Os limites não são fáceis de determinar mas importa refletir sobre eles, exercitando a nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. Por exemplo, quando visitamos outros países europeus, percebemos o quão difícil é encontrar um supermercado aberto ao domingo – algo que acontecia em Famalicão até há alguns anos atrás. É verdade que uma grande superfície aberta ao domingo torna a nossa vida mais fácil, mas será realmente essencial? Não estaremos a imputar um custo demasiado alto a esses trabalhadores (que lutam nestes dias por salários mais justos num setor que gera os homens mais ricos do país)? Não deveríamos ser mais comprometidos com uma solidariedade comunitária que acordasse o fecho de serviços não essenciais ao domingo? Não se estreitariam os laços dos famalicenses se conseguíssemos identificar no outro alguém que pode apreciar tanto como nós o descanso familiar?
Se a legalidade do ato [de abertura dos estabelecimentos de restauração] não pode ser questionada, acredito que o nosso compromisso comunitário deverá ser o de reconhecer essa injustiça e adequar o nosso comportamento por forma a não participar nela.
Não trago esta reflexão agora por mero acaso. Apesar de podermos apontar uma sociedade portuguesa cada vez menos religiosa, ainda se mantêm na sua memória coletiva as festas tradicionais que importam à generalidade das famílias. Mantemos, em especial, a importância da celebração do Natal: o jantar de consoada, quando é possível percorrer as ruas da cidade e encontrá-las desertas, e um dia seguinte de partilha, com roupa velha, os doces que sobraram e as crianças com os seus novos presentes. No entanto, encontramos em Famalicão estabelecimentos de restauração que, infelizmente, decidiram recusar esse dia aos seus trabalhadores, abrindo as portas no dia de Natal. Se a legalidade do ato não pode ser questionada, acredito que o nosso compromisso comunitário deverá ser o de reconhecer essa injustiça e adequar o nosso comportamento por forma a não participar nela. Afinal, crentes ou não, esta é uma festa da nossa tradição e que deveria ser de todos por igual.
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