‘Sim, era disso que nós precisávamos’
Do que nós precisávamos era de uma salva de palmas no final de cada sonho

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Do que nós precisávamos
era de uma salva de palmas no final de cada sonho
e de assobiar com os dedos,
de assobiar com os dedos como faziam antigamente os tolos
….[das janelas dos comboios,
Mas agora os comboios só abrem as janelas pela metade
com medo que toda a paisagem
entre pela carruagem a dentro
e accione subitamente o mecanismo de emergência,
….[e os tolos
Os tolos preferem ficar em terra
a imaginarem objectivamente outros tolos ainda mais tolos
a mijarem nos flancos dos comboios
e a rirem-se da dimensão da terra
….[e a gritarem: ……….réucatrapéu passarinhos ao ninho
Pobres tolos.
.
Do que precisávamos
era de ir morar para uma Sexta-feira
arranjar por lá um emprego, um amor e uma doença crónica
e deixar a plenitude crescer como as palavras revolucionárias
crescem nas portas dos supermercados,
como as praças crescem de gente
como a humanidade vai crescendo entre os pássaros
e a felicidade cresce nos bancos de jardim e nos velhos
….[nos velhos
Nos anúncios dos jornais dizem que é preciso EXPERIÊNCIA
e quando a morte vier bater à porta da vida?
e formos os únicos em casa para a receber
e a morte toque
toque várias vezes
……………………não abro a porta a desconhecidos
.
E ela serena responda:
……………….venho para reparar o tecto da sala
……………….e levar toda a inocência.
……………….sem cobrar nada.
Os velhos sabem
os velhos sabem que do que precisávamos
era uma medalha ao peito por ainda estarmos vivos,
e um bom sítio para chorar.
Sim, precisávamos de um sítio com muita gente,
amplo, colorido e humano
como um centro comercial a um sábado à noite
….[para chorarmos todos juntos.
E que com mais cabeça,
os velhos sabem que com mais cabeça
instalávamos uma Caixa Negra no nosso interior
para mais tarde saberem que por cá
sempre tivemos um bom ritmo cardíaco,
que nunca devemos nada a ninguém,
que fomos pontuais e frágeis
velhos e novos,
egoístas e obedientes
instintivos e previsíveis
capazes de aniquilar o nosso outro Eu de vergonha
……………………………cala-te homem, e dorme
e que adormecemos,
num sono demasiado fácil
….[demasiado fácil
Digamos de uma vez por todas:
do que nós precisávamos
era de encher a mala de criança com o cordão umbilical
as sapatilhas
o secador de cabelo
o bilhete da lotaria,
olhar a noite uma última vez no espelho
….[e imigrar
Imigrar o mais longe possível para dentro de nós
desamparados e inexperientes
em busca de um novo mundo
um indecifrável idioma do tempo
uma velha estrela que nunca existiu
e uma Mãe,
uma Mãe que nos fizesse a cama vazia
de memória
……………………Sim, era disso que precisávamos
……………………de emigrar
……………………de emigrar o mais longe possível
……………………para dentro de nós
.
Assim quando já soubéssemos tudo
e tivéssemos a certeza onde realmente estávamos,
……..[vazios e perdidos
procurávamos a última paragem no mapa do nosso interior,
o final de tarde mais imperfeito
e ao chegar ao horizonte incerto das coisas
absolutos e incompletos, finalizar o nosso dia
um carro de três portas
um cão chamado Bernardo
a factura da luz
e um inimigo
um fiel inimigo para vermos passar os carros
e matarmo-nos de inveja e amizade
nas tardes cansadas de Domingo.
Sim, era disso que nós precisávamos
de uma salva de palmas no final de cada sonho..
Obs1: a propósito deste poema, Roi Fernandez realizou o vídeo Mecanismo de Emergência.
Obs2: este poema faz parte do livro Mecanismo de Emergência, publicado pela Através Editora (Santiago de Compostela), selo da Associação Galega da Língua, 2016.
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